Gratidão sem ideologia

Hélio Consolaro
Hélio Consolaro
Hélio Consolaro, professor, jornalista e escritor, 75 anos. Oito livros publicados. Membro da Academia Araçatubense de Letras, foi vereador e secretário municipal de Cultura por oito anos.
Arquivo: Hélio Consolaro

Organizo os fatos de minha vida em linha cronológica. Desconfio que só os medíocres o fazem assim, mas não consigo chegar a outra maneira. Confesso minha mediocridade.

No curso chamado primário, todo dia a professora começava a aula pondo na lousa um cabeçalho. O sobrenome do presidente da República era difícil de ser escrito: Kubitschek. Foi eleito pelo povo.

Com 16 anos, o governador do Estado de São Paulo era Adhemar de Barros. Num conchavo dos funcionários do antigo Posto Experimental de Criação (Araçatuba) com o zootecnista Fernando Lima Pires fui admitido como trabalhador braçal aos 16 anos, 1965, mas na verdade eu era auxiliar de veterinário. Não importa, iniciava minha carreira de funcionário público, que interrompi com a aposentadoria. 

Depois prestei concurso público em 1968, fui aprovado e passei a ser escriturário da Secretaria da Agricultura (DIRA). Com salário melhor, pude pagar faculdade em Penápolis.

Por que não em Araçatuba, se a cidade já tinha a Instituição Toledo? Porque a cidade onde nasci sempre foi elitista, não implantou o curso superior noturno. A Fundação Educação de Araçatuba foi criada em 197, mas abafada  pelo então pelo  prefeito da época para privilegiar a Toledo.   

Enquanto Edson Geraissate, prefeito de Penápolis, uma cidade menor, que morreu por esses dias com 96 anos, criou a FUNEPE, Fundação Educacional de Penápolis, mantenedora da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, com curso noturno. Mais de 20 kômbis saíam toda noite de Araçatuba levando alunos: partida às 18h e volta à meia-noite. Com trampo marcado para as 8h do outro dia. Com isso a FUNEPE teve mais de mil alunos. 

Em 1969, montei num ônibus da Reunidas e fui fazer inscrição para o vestibular. Eu estava traçando o meu futuro, que não foi tão glorioso, mas bem melhor com a ousadia do sacrifício. 

Edson Geirassate não me pagou uma mensalidade, nem deu desconto, mas me deu a chance de fazer uma faculdade. Abriu portas. Eu queria história, não havia (só Araçatuba, curso diurno), fiz mesmo Letras por falta de opção. Ele povoou a Noroeste Paulista de professores competentes.    

Morrer qualquer um morre, mas a morte de Edson Geirassate me foi significativa. Fazer-lhe uma estátua é muito pouco, mas já seria uma homenagem. Lá em Penápolis, aprendi que a pobreza entre os homens não era vontade de Deus, mas fabricada pelos seres humanos.

Em 1976, o governador indicado pela ditadura militar, Paulo Egydio Martins, convocou concurso para preencher vagas no magistério paulista. Eu era professor em Rosana-SP, caráter temporário. Fiz o concurso, fui aprovado e voltei para Araçatuba como professor de Português efetivo: 29 anos de puro orgulho. Gratidão ao ex-governador, pois com o concurso, ele me abriu portas.

Em 2009, por iniciativa do então deputado estadual Renato Simões (PT),  Assembleia Legislativa de São Paulo votou lei para indenizar os funcionários públicos estaduais que tiveram presos pela ditadura militar e sofreram prejuízos funcionais. Eu fui um dos indenizados. A minha gratidão foi para o ex-governador Geraldo Alckmin que sancionou a lei.  

Com o espírito da gratidão instalado em seu interior, os agradecimentos brotam, mas hoje, neste texto, registrei minha gratidão aos contrários ou fizeram o bem pelas atitudes dignas que tomaram. E o  Edson Geirassate, ex-prefeito de Penápolis, é o meu líder nesse quesito.   

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