Misci, no auge e cobiçada até por Oprah, desfila sua nova coleção para Bienal lotada

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A fila para entrar era maior do que a de uma balada no auge, e muita gente vestia a marca dos pés à cabeça, tipo membros de um fã clube. Mas ninguém estava ali para ver um astro da música.

Na terça-feira de manhã, a turma esperava ansiosa para ocupar o seu lugar na plateia do desfile da nova coleção da Misci, a marca mais desejada da moda nacional hoje, capaz de criar e comunicar como poucas um universo todo seu, vinculado aos rincões do Brasil, mas com apelo de grife de luxo global.

“É o primeiro desfile da Misci que eu realmente fiz o produto que queria, em acabamento e matéria-prima”, diz Airon Martin, o designer por trás da marca, em entrevista por vídeo. Ele tem a expressão feliz e cansada de quem acabou de acordar depois da festa de comemoração de sua coleção mais ambiciosa. “Ainda estou na euforia.”

No desfile, os modelos desciam a imensa rampa do prédio da Bienal de São Paulo vestindo peças que faziam referência à natureza e ao interior do Brasil —saia no formato de folha, camisa transparente em tom terroso de chão batido, brinco tipo traseira de cavalo, com as patas e a crina. O acessório, desenvolvido com o designer de joias Carlos Penna, foi levado à passarela pela cantora Ivete Sangalo, sob gritos e aplausos.

É uma moda sensual que deixa partes do corpo à mostra, o caimento lânguido das roupas fluindo no corpo, sinuoso como as curvas do prédio de Oscar Niemeyer. O desfile trouxe também bolsas imensas e peças com detalhes do universo caubói —tanto o acessório quanto a estética estão em alta nas passarelas internacionais.

Mas a Misci olha menos para fora e mais para seu país. Na coleção, intitulada “Tenda Tripa”, a marca mostrou camisas em látex feitas por comunidades da Amazônia, um tecido em que o designer da grife quer investir e acredita que pode ser produzido em escala industrial. As peças neste material traziam um bordado assinado por Jaime Lauriano, artista que em seu trabalho desafia a história oficial do Brasil.

O bordado, costurado em um tom próximo do tecido, é um mapa imaginário criado a partir da junção de diversas cartografias do território brasileiro do século 16, conta o artista. Seu mapa traz rios, como se fossem vísceras, em referência ao nome da coleção. Há também desenhos de vegetação e de uma tenda, esta em alusão à moradia dos povos originários.

Airon afirma que deixar o bordado na cor do látex, invisível de longe, foi proposital. “É para você olhar com atenção para o produto. Nessa comunicação de internet tudo tem que estar muito mastigado, as pessoas querem tudo muito rápido”, afirma o designer, em resposta a uma crítica que diz ter recebido de que o bordado poderia ser de outra cor. “É tipo um braile.”

O estilista diz que a parceria com Lauriano foi fundamental para destravar seu processo criativo, e o artista se mostra contente pelo fato de seu desenho, com a moda, poder chegar a um público maior, para além do mundinho da arte.

Airon conta ainda que era fundamental colaborar com um artista em atividade. Ele relata já ter recebido ofertas para estampar suas peças com criações de mortos famosos. “Fazer com artista que não está mais aqui, eu não sinto que é uma colaboração. É mais uma interpretação de um trabalho já existente, como a Handred faz [com o designer de móveis Sérgio Rodrigues] e a Osklen fez [com a pintora Tarsila do Amaral].”

Surgida de um trabalho de conclusão de curso de Airon, a Misci abriu a primeira loja em 2020, em meio à pandemia, e desde então só cresceu em popularidade, vendas e reconhecimento. No ano passado, a grife teve um boom motivado pela primeira-dama, Rosângela da Silva, a Janja, que apareceu vestindo uma camisa da marca.

Neste ano, a Misci inaugurou uma loja de rua nos Jardins, em São Paulo, seu terceiro ponto de venda. Meses depois, a apresentadora Oprah Winfrey, em passagem pela cidade, comprou bolsas da marca, dando novo impulso de popularidade à etiqueta.

Agora, a marca quer conquistar o interior do Brasil, uma região com poder de consumo gigantesco, diz Airon, com conhecimento de causa —ele nasceu e cresceu em Sinop, em Mato Grosso. Para isso, o designer desenvolveu peças com Lenny Niemeyer, estreando uma linha praia na Misci que estará disponível em 250 lojas multimarca pelo país, graças à capilaridade da designer carioca.

Mesmo que já tenha participado da São Paulo Fashion Week, o designer tem optado por desfilar de forma independente nas últimas coleções. Segundo ele, o modelo de negócios da semana de moda não permite que a Misci leve seus patrocinadores, porque as marcas que apoiam a grife competem com patrocinadores da SPFW.

“Eu queria estar [na semana de moda]. Seria muito importante para mim e para o evento a gente estar junto lá dentro”, afirma. A SPFW não quis comentar.

A reportagem pergunta se o tanto de gente vestida inteira de Misci no desfile foi paga para isso. “Nenhuma dessas pessoas é contratada. Eu nunca paguei uma influenciadora na minha vida. GKay é minha cliente. Sasha é minha cliente, Enzo [Celulari], cliente. Eu trato a minha roupa como a minha arte”, diz Airon, acrescentando que, quando alguém lhe pede para receber peças da Misci, manda as pessoas para as suas lojas.

“Eu xingo. Porra, você tem dinheiro, vai comprar! E eles vão. Não sei se eles compram por medo ou porque gostam, mas eles compram.”

JOÃO PERASSOLO / Folhapress

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