SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A entrada no Brasil de aço importado, sobretudo da China, era predatória e ameaçava investimentos e a manutenção de empregos do setor, diz o presidente da ArcelorMittal Brasil, Jefferson De Paula.
Na terça-feira (23), o governo anunciou que irá colocar cotas para a importação de aço e aumentar para 25% o Imposto de Importação sobre o volume excedente.
A decisão atende a uma demanda das siderúrgicas brasileiras, que consideram haver uma invasão do aço chinês no país. Os produtos que foram alvo da medida têm tarifas hoje que variam de 9% a 12,6%.
Para De Paula, o aumento de preços após a elevação do imposto, como chegaram a destacar setores consumidores de aço ao longo das negociações com o governo, não era o objetivo das siderúrgicas e não está dado, depende de diferentes fatores, como o preço da matéria-prima.
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Pergunta – Como foi o processo de negociação com o governo para reduzir as importações de aço?
Jefferson de Paula – O setor vinha negociando uma medida com o governo nos últimos nove meses, e mostramos que a importação de aço cresceu 50% de 2022 para 2023. Neste ano, no primeiro trimestre cresceu mais 25%, hoje temos de 20% a 23% do mercado de consumo operando com aço importado. Toda a siderurgia brasileira, ao longo dos últimos dez anos, vem investindo R$ 12 bilhões para aumentar a capacidade e melhorar a qualidade da produção, temos um parque industrial moderno no Brasil e estávamos trabalhando com 60% da capacidade.
P. – O setor via como desleal ou até predatória a disputa com o produto chinês?
J. P – O ataque que estávamos sofrendo era predatório mesmo, principalmente vindo da China, mas não apenas de lá. A medida do governo não é só contra a China, mas contra a importação de aço de maneira predatória. 65% do aço importado pelo governo é chinês, e é predatório por ter subsídios do governo, por ser vendido com prejuízo para o Brasil. Os Estados Unidos já tinham colocado essas medidas. A União Europeia, o México e o Chile, mais recentemente, também. O Brasil tinha virado o destino desse aço, vindo também do Egito, da Rússia, do Peru. Mostramos para o governo que eles estavam inundando o Brasil de aço.
P. – A medida do governo é suficiente?
J. P. – A medida é um avanço, por trazer além das regras um compromisso do governo com o aço brasileiro, de fazer um acompanhamento, realmente monitorar qual vai ser o resultado. Não tínhamos nada antes, a não ser o imposto de até 12% de importação, agora vamos ter esse regime de cotas mais imposto de importação e mais o monitoramento para diminuir a entrada de aço predatório. Diminuindo, vamos manter os investimentos programados, vamos operar as plantas sem precisarmos parar ou demitir. A ArcelorMittal tem um plano de R$ 25 bilhões de investimentos nos próximos três ou quatro anos.
Temos um plano de investimento para aumentar a performance, modernizar, colocar produtos de alta capacidade. Mas do jeito que estava, a gente teria de rever investimentos, parar plantas e demitir pessoas. O governo se sensibilizou com a situação dramática do setor no Brasil, que é um negócio de base, sem aço o país não sobrevive.
Está em linha com a reindustrialização do Brasil, não dá para competir com o aço que vem com prejuízo para o Brasil.
P. – Os setores consumidores de aço vinham apontando uma preocupação com o aumento de impostos, que poderiam chegar a um aumento de preços até o consumidor final. Os preços podem aumentar após a medida do governo?
J. P. – Discordamos, o nosso foco sempre foi o volume de importação, por estamos trabalhando com 60% da capacidade, não estamos de acordo com a visão de que o objetivo era aumentar preço.
O preço não é definido assim, é de acordo com o mercado internacional, da matéria-prima, é complexo. O mercado no Brasil não está crescendo a ponto de ter aumento de preços. Não estou dizendo que não vai aumentar, mas depende dessas questões. Posso garantir que não é o objetivo da cota ou dos 25%.
P. – A siderurgia brasileira pode liderar uma transição para o aço verde?
J. P. – Estamos em 60 países, sendo o maior produtor de aço no Brasil. Produzimos 42% de todo o aço produzido no país no ano passado e lideramos a descarbonização da siderurgia mundial, sendo a primeira do setor a definir metas 25% a menos de emissão até 2030 e carbono neutro até 2050. Já gastamos 300 milhões de euros em pesquisa e desenvolvimento de novas técnicas e equipamentos. A previsão é de investir US$ 10 bilhões até 2030 para reduzir a emissão de CO2.
Podemos ser uma referência para o mundo, não só na siderurgia. Fizemos um contrato com a Casa dos Ventos e estamos construindo um parque eólico, estamos investindo R$ 4,2 bilhões, e estamos negociando outros parques de energia renovável. Precisamos, para um período de transição, de mais sucata, de gás natural a um preço internacional. Temos projeto de injetar carvão vegetal em alto-forno, temos a possibilidade de o Brasil estar na vanguarda da descarbonização no mundo.
RAIO-X | Jefferson De Paula, 65
É presidente da ArcelorMittal Brasil e CEO Aços Longos e Mineração LATAM desde outubro de 2021. Atua na indústria do aço há 40 anos. É presidente do Conselho Diretor do Instituto Aço Brasil, membro do Conselho Executivo da Alacero (Associação Latino-Americana do Aço) e vice-presidente da diretoria e membro do Conselho Estratégico da Fiemg (Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais)
DOUGLAS GAVRAS / Folhapress