SÃO PAULO, SP 9FOLHAPRESS) – O novo projeto de requalificação do centro da cidade de São Paulo, lançado nesta sexta-feira (26) pelo governo paulista, terá obstáculos que vão desde a inflação imobiliária que a proposta pode gerar na região até a dificuldade de encontrar empresas capacitadas para executar projetos na área de construção civil extremamente diferentes.
Ao mesmo tempo, a gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) ainda terá de lidar com a dificuldade comum entre propostas que dependem da indução do mercado privado para prover habitação para famílias com dificuldade de acesso ao financiamento habitacional.
A intervenção prevê R$ 2,4 bilhões de investimentos por meio de uma PPP (Parceria Público Privada), sendo R$ 1,9 bilhão aplicados pelo setor privado e R$ 500 milhões pelo governo, em valores aproximados. Em uma parceria desse tipo, os empreendedores contratados devem inicialmente custear a maior parte das obras e, posteriormente, o estado pagará contraprestações ao longo de 15 anos, com juros, dos bens considerados reversíveis. É o caso de habitações de interesse social e infraestrutura pública que fazem parte do projeto.
Para entrar no negócio, empresas participantes da concorrência disputarão áreas da cidade divididas em quatro lotes espalhados sobre os distritos Sé, República e Santa Cecília. Cada um desses lotes possui uma diversidade de obras a serem executadas pelos vencedores do certame.
Em números gerais, a oferta de residências responde por pelo menos 53% da área construída do projeto -dos 719 mil metros quadrados de edificações previstas, 382 mil serão habitações novas ou recuperadas. Isso se traduz em 6.135 unidades, sendo 5.046 novas e 1.089 retrofits (prédios antigos modernizados).
Outros 337,5 mil metros quadrados em construções serão distribuídos entre equipamentos públicos; calçadas, passarelas e ciclovias; estacionamentos; serviços e comércio; e restauro de imóveis tombados.
É a junção de atividades tão construtivas distintas a serem executadas por uma única empresa ou consórcio -ou quatro, cada uma com um lote- o que torna a execução desafiadora, segundo Bianca Tavolari, professora de direito especialista em urbanismo da FGV e do Cebrap.
“Empreendedores que atuam com retrofit não são os mesmos que fazem prédios novos, tampouco restaurações de bens tombados”, comenta. “Consórcios terão de ser montados para reunir empresas com especializações muito distintas.”
Técnicos do governo que conversaram com a reportagem ainda mostraram preocupação com a inflação no mercado imobiliário que uma proposta tão ampla pode gerar.
Ao escolher o sistema de PPP, a gestão Tarcísio mira a facilidade que o setor privado tem para negociar e pagar rapidamente pelos imóveis desapropriados. Diante dessa possibilidade, proprietários podem tentar valorizar imóveis hoje subtilizados ou abandonados ao colocá-los à venda ou empreenderem de outras formas.
Aperitivo disso ocorreu com a PPP para edificação do novo centro administrativo estadual nos Campos Elíseos, formalmente lançada há um mês pelo governador. Semanas antes da publicação da Declaração de Utilidade Pública, houve o lançamento de um empreendimento imobiliário privado em terreno onde antes havia um velho galpão fechado.
Há no centro de São Paulo uma série de estímulos oferecidos pela prefeitura para estimular empreendimentos imobiliários e a sobreposição de incentivos é também fator com potencial de valorização de terrenos, segundo Tavolari.
Fabrício Cobra Arbex, secretário da Casa Civil da gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB), afirma que a soma de diferentes programas é benéfica para o centro. “A soma desses esforços tende a acelerar a requalificação da região central”, diz.
Nunes disputará a reeleição neste ano e conta com apoio de Tarcísio e de seu padrinho político, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
A dificuldade que medidas de estímulos ao setor privado enfrentam para gerar habitação para a camada da população com renda familiar de até um salário mínimo é outro ponto que poderá enfrentar críticas, caso o governo não apresente soluções convincentes. Principal oponente de Nunes na disputa pela prefeitura, o deputado federal Guilherme Boulos (PSOL-SP) tem forte relação com movimentos de moradia.
Na parte da PPP destinada a moradias, 6.135 apartamentos deverão ser distribuídos entre diferentes grupos, sendo 55% destinados a famílias que se enquadram nas categorias de HIS (Habitação de Interesse Social) 1 e 2, com renda familiar mensal de até três salários mínimos (até R$ 4.236 atualmente) e de três a seis salários mínimos (até R$ 8.472), respectivamente.
Os 45% restantes serão enquadrados como HMP (Habitação de Mercado Popular), cuja renda familiar dos beneficiários varia de seis a dez salários mínimos (até R$ 14.120).
O presidente da CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano), Reinaldo Iapequino, disse nesta sexta que o objetivo central da PPP é a requalificação do centro, e não a habitação, e que por isso o projeto é complementar a outros programas municipais e estaduais.
Iapequino afirmou que a recuperação urbanística do centro não se concretizaria se mais da metade das habitações do projeto fossem destinado às famílias que ganham menos do que três salários. Por isso, diz ele, não era possível dar mais espaço para moradias de HIS-1, grupo que concentra a maior parte do déficit habitacional.
“É por isso que os movimentos sociais reclamam muito da PPP. É que eles querem tudo para eles”, afirmou Iapequino. “Se você fizer tudo para eles, a gente não requalifica o centro. E a gente tem outros mecanismos de atingir [a queda do déficit habitacional], outras ações. É claramente isso, uma opção nossa, uma determinação nossa de trazer a classe média para morar [no centro].”
O presidente da CDHU destacou os programas Pode Entrar (da prefeitura) e os empreendimentos de investimento direto do próprio órgão estadual para as famílias mais pobres. Na PPP de requalificação do centro serão pouco mais de 1.300 unidades habitacionais destinadas ao público que ganha até três salários mínimos, segundo Iapequino.
Ele disse, ainda, que o governo estadual quer evitar a expansão de microapartamentos na região central, que tem sido uma característica da expansão imobiliária dos últimos anos na cidade. A intenção, diz Iapequino, é estimular a migração de famílias para o centro.
CLAYTON CASTELANI E TULIO KRUSE / Folhapress