SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O Cremesp (Conselho Regional de Medicina de São Paulo) foi oficiado nesta terça-feira (30) pela deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL-SP) e pela vereadora paulistana Luana Alves (PSOL) e cobrado a prestar informações sobre processos abertos contra médicos do serviço de aborto legal do Hospital Maternidade Vila Nova Cachoeirinha, na zona norte da capital paulista.
Como revelou a colunista Mônica Bergamo, do jornal Folha de S.Paulo, a autarquia tem encabeçado uma ofensiva contra profissionais que realizaram o procedimento em mulheres vítimas de estupro, seguindo o que é previsto pela legislação brasileira. Ao menos três deles podem ter seus registros cassados e serem impedidos de exercer a medicina.
Para Bomfim e Alves, há indícios de possível violação de direitos das pacientes e de persecução discriminatória contra os profissionais de saúde do Vila Nova Cachoeirinha.
“Causa-nos especial preocupação, além do fato de que os procedimentos médicos realizados estão albergados pela legislação pátria, ou seja, são legalmente permitidos, o fato de que os prontuários dessas pacientes, ao que parece, foram acessados sem o consentimento delas, o que é considerado ilegal”, afirmam.
“O prontuário, por conter dados pessoais sensíveis, é documento que pertence à paciente e que somente pode ter o acesso liberado mediante autorização por escrito da paciente ou de seu representante legal”, seguem as parlamentares, no ofício enviado ao conselho.
A deputada federal e a vereadora elencam 12 perguntas a serem respondidas pelo Cremesp, que versam sobre a forma como os prontuários foram obtidos, se há pacientes vulneráveis ou com idade inferior a 14 anos envolvidas e quais medidas foram tomadas para garantir o sigilo médico e a proteção dos dados.
De acordo com pessoas familiarizadas com os processos administrativos, alguns dos prontuários teriam sido encaminhados pelo próprio Cremesp à Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, hoje comandada pelo bolsonarista Guilherme Derrite, e à Polícia Civil para eventuais apurações. Em um dos casos, o conselho questiona se houve, de fato, a prática de estupro contra uma delas.
Sâmia Bomfim e Luana Alves pedem que o Cremesp dê explicações sobre a motivação do envio das fichas das pacientes para os órgãos públicos e esclareça se as mulheres atendidas terão seus direitos ao aborto legal resguardados e se há algum precedente nesse tipo de apuração.
“É o entendimento deste conselho a necessidade do cometimento de omissão de socorro nos casos de abortamento legal para que profissionais de saúde não corram o risco de sofrerem interdição cautelar?”, questionam a deputada e a vereadora.
Em nota enviada à reportagem, o Cremesp afirma que respeita o direito da mulher ao aborto legal “em casos de vítimas de crime sexual” e diz que tem a prerrogativa de fiscalizar o exercício ético da medicina em qualquer hospital de São Paulo.
“O Cremesp está apurando os fatos que se encontram em sigilo nos termos da lei”, afirma o conselho, que ainda diz desconhecer os casos apresentados nesta reportagem. “É lamentável que informações que não correspondem à realidade sejam veiculadas na sociedade.”
Os processos analisados pelo órgão paulista serão encaminhados ao CFM (Conselho Federal de Medicina), que terá a palavra final sobre o destino dos médicos.
As expectativas, contudo, não são as mais otimistas para os profissionais: neste mês, o conselho federal vetou a realização de um procedimento recomendado pela OMS (Organização Mundial da Saúde) para a interrupção de gestações mais avançadas. A norma é questionada em diferentes esferas da Justiça.
Considerado referência para o aborto legal no estado de São Paulo e até mesmo no país, o Hospital Maternidade Vila Nova Cachoeirinha teve o seu serviço suspenso pela gestão de Ricardo Nunes (MDB) em dezembro de 2023, episódio que foi revelado pela Folha de S.Paulo.
A prefeitura afirmou por diversas vezes que a paralisação seria temporária, para dar lugar à realização de cirurgias eletivas, mas jamais retomou o atendimento.
MÔNICA BERGAMO / Folhapress