Como ‘Love Lies Bleeding’, com Kristen Stewart, desafia os filmes lésbicos de época

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Corpos suados com músculos definidos e veias à flor da pele, a academia é um bom lugar para o flerte. Especialmente em uma cidade no meio do deserto de Nevada, na década de 1980. É lá que a nova personagem de Kristen Stewart, Lou, irá se apaixonar violentamente -ao pé da letra- por uma fisiculturista.

Agindo quase como um determinismo geográfico para filmes que misturam assassinatos e paixão, o cenário desértico impediu que “Love Lies Bleeding”, de Rose Glass, fosse apenas romântico. Com uma mixagem tarantinesca de violência, suspense e humor, o filme é um neonoir lésbico que vai na contramão da produção de filmes de época ou centradas na homofobia que ebuliu a partir de 2013, com o polêmico “Azul É a Cor Mais Quente” e “Carol”, de Todd Haynes.

“Estamos na época e no lugar dos Estados Unidos em que acontecem esses filmes de suspense. A paisagem, as lanchonetes e os amantes com armas são familiares”, diz Glass por videochamada, sem negar suas referências que vão de “Coração Selvagem”, de David Lynch, e “Assassinos por Natureza”, de Oliver Stone, ao clássico “Bonnie e Clyde”.

E, segundo a diretora, ninguém melhor que Kristen Stewart para o papel. “Adoro ela como galã mal-humorada”, diz. O título foi conferido a atriz desde “Crepúsculo”, a saga juvenil vampiresca que virou febre na década de 2010 e que lançou ela e Robert Pattinson ao sucesso.

Depois disso, Stewart provou a Hollywood que seu talento ia além do frenesi adolescente. A atriz veio acumulando papéis em filmes independentes até ser aclamada por dar vida à princesa Diana em “Spencer”, de 2021. Stewart também se declarou bissexual, rompendo de vez com a mocinha e se tornando um símbolo queer nos Estados Unidos.

“Ela teve essa plataforma enorme com ‘Crepúsculo’ e agora pode usar esse sucesso para contar as histórias que quer contar”, diz Katy O’Brian, que dá vida a Jackie, o par romântico de Stewart em “Love Lies Bleeding”. “É preciso coragem, quando se está em destaque na mídia, para sair do armário. E [Stewart] faz isso mostrando o dedo do meio, sabe?”

A tensão sexual entre as duas rendeu burburinhos nas redes sociais e alguns ensaios fotográficos sensuais de Stewart, com e sem O’Brian, para revistas como Them, Variety e Rolling Stone. No filme, Lou leva uma vida tediosa como gerente de academia depois de romper com o pai, o poderoso chefão do tráfico de armas na região.

Jackie fugiu de casa para participar de uma competição de fisiculturismo em Las Vegas. Basta uma noite para que as duas se apaixonem e Jackie se mude com Lou, que tira as gemas de seus ovos todas as manhãs e lhe dá esteroides. Também não demora para que elas se envolvam em uma série de assassinatos para ficarem juntas.

“Não é o tipo de filme lésbico com lindos vestidos compridos e olhares furtivos. Eu queria algo mais úmido, violento, sombrio e engraçado”, diz Glass. Ela se refere aos filmes de época que se tornaram populares entre aqueles que retratam mulheres que amam mulheres. A longa lista inclui “Carol”, baseado no livro de Patricia Highsmith, “Retrato de uma Jovem em Chamas”, de Céline Sciamma, “The Handmaiden”, de Park Chan-wook, e “Ammonite”, com Kate Winslet.

Antes, um marco para o gênero foi “Desert Hearts”, de 1986, primeiro filme a retratar uma relação entre mulheres de forma positiva. O longa custou a ser filmado devido à desaprovação dos estúdios da cena de sexo. Nas décadas de 1990 e 2000 surgiram algumas produções mais alegres, como “DEBS”, “But I’m a Cheerleader” e “Imagine Eu e Você”.

Foi só a partir de 2010 que filmes LGBTQIA+ ganharam mais espaço nos serviços de streamings e nos cinemas. Histórias que acontecem em um passado mais rígido conferem emoção extra aos romances proibidos –e também reivindicam experiências que já aconteciam no passado, apesar de não serem contadas em suas épocas.

“É interessante mostrar que lésbicas sempre existiram”, diz Juliana Rojas, diretora de “As Boas Maneiras” e uma das juradas da Palma Queer de Cannes neste ano. De época ou não, os enredos acabam centrados na proibição do romance ou na homofobia, com exceção da comédia “Bottoms”, lançada em 2023, e agora em “Love Lies Bleeding”, em que ser lésbica é o último dos problemas de Lou e Jackie. Elas pegam em armas, cometem crimes e fazem sexo, sem pensar muito sobre a última atividade.

“Nossa sexualidade não é um conflito na história, mas sim nosso comportamento. Foi excitante interpretar essas anti-heroínas, duas mulheres imperfeitas”, diz O’Brian. “Em filmes de ação, essa costuma ser uma história reservada a casais heterossexuais ou a dois caras.”

No Brasil, são poucos os filmes lésbicos e menor ainda os títulos que tiveram destaque, como “Flores Raras”, que levou às telas o romance entre a arquiteta Lota de Macedo, vivida por Gloria Pires, e a poeta Elizabeth Bishop.

“[Hollywood] está muito na frente. Histórias de mulheres que amam mulheres estão indo agora para outros eixos, como terror e suspense”, diz Ana Cavazzana, diretora e fundadora do Bee Festival, primeiro de cinema lésbico no Brasil. Segundo ela, a as novelas, com mais apelo popular, tem mostrado mais casais de mulheres.

“O audiovisual brasileiro é ainda predominantemente escrito e dirigido por homens brancos cis”, diz Rojas. A baixa representatividade se soma ao preconceito com o tema. “Um romance LGBTQIA+ é considerado de nicho, enquanto um romance heterossexual é para toda a família.”

O’Brian comemora a recepção do público. “Ultimamente, a campanha tem sido para que as pessoas voltem a ir aos cinemas. Estão tentando fazer isso contando histórias interssantes e únicas, espero”, diz. Seus músculos recebem uma atenção especial das câmeras, uma resposta de Glass à demanda por mulheres mais fortes nas telas.

“O mundo em que se passa esse filme é estranho e permite que você seja ousado”, diz Glass. “O que eu gosto do cinema é a possibilidade de transformar algo emocional em algo visível, e quando estamos apaixonados os sentimentos parecem monumentais.”

LOVE LIES BLEEDING: O AMOR SANGRA

Quando: nos cinemas

Classificação: 16 anos

Elenco: Kristen Stewart, Katy O’Brian e Ed Harris

Produção: Estados Unidos, 2024

Direção: Rose Glass

ALESSANDRA MONTERASTELLI / Folhapress

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