SÃO CARLO, SP (FOLHAPRESS) – Ao longo dos milênios, as populações que enfrentavam uma frequência maior de crises sérias, como grandes alterações climáticas ou migrações em massa, costumavam resistir a essas crises e superá-las com mais sucesso do que as que atravessavam longos períodos de calmaria.
Essa é a conclusão de um estudo que analisou dados arqueológicos correspondentes a um período de cerca de 30 mil anos, do auge da Era do Gelo até a Era das Navegações, em todos os continentes do planeta. Ao que parece, os distúrbios ambientais e sociais frequentes podem acabar aumentando a resiliência dos povos que precisam lidar com eles, afirma a equipe liderada por Philip Riris, da Universidade de Bournemouth (Reino Unido).
Em artigo publicado nesta quarta (1º) revista especializada Nature, Riris, junto com uma equipe internacional de pesquisadores, compilou uma massa impressionante de datações arqueológicas de diferentes períodos e regiões.
Entre as áreas que foram incluídas no trabalho estão, por exemplo, a Grécia entre 10 mil anos e 2.500 anos antes do presente, as regiões desérticas da Austrália entre 30 mil anos e 10 mil anos atrás e as terras baixas tropicais da América do Sul (o que inclui o Brasil) entre 12 mil anos e 6.000 anos antes do presente. Também há exemplos da América do Norte, da África e da Ásia.
O que os pesquisadores fizeram foi usar o número de datações de cada lugar ao longo do tempo como um indício das flutuações da população ao longo dos séculos e dos milênios. Como não havia censos (e nem mesmo escrita, em diversos casos) nessas épocas, as datações obtidas funcionam como uma pista indireta de quanta gente estava viva para deixar resquícios (que seriam escavados pelos arqueólogos muito mais tarde).
Com o auxílio de métodos estatísticos, Riris e seus colaboradores compararam a trajetória real de datações com o que seria esperado se a população continuasse crescendo num ritmo considerado normal para seres humanos na pré-história e na Antiguidade.
Quando os dados arqueológicos ficavam muito abaixo dessa projeção, era possível identificar momentos de colapso populacional e estimar quanto tempo levava para que a população dos locais estudados voltasse aos níveis anteriores e continuasse a crescer.
Com base nessa lógica, os pesquisadores formularam duas medidas: a chamada resistência (ou seja, quão intensas eram essas fases de perda populacional) e a resiliência (que equivale à capacidade de se recuperar relativamente rápido dos momentos de declínio).
De um total de 154 eventos de declínio ou colapso, cerca de 40% mostraram considerável resiliência, com um retorno a níveis populacionais próximos do momento anterior ao desastre após algumas décadas (embora, em casos mais raros, o declínio pudesse durar séculos).
A maioria dos eventos desastrosos não pôde ser atribuída com clareza a uma causa específica. No caso dos demais, 31% estão ligados a causas ambientais, em especial o aumento da aridez, ou a uma mistura de fatores sociais e ambientais (21%).
Os dados indicam que, quando os recuos populacionais passam a ser frequentes, as populações afetadas tendem a mostrar tanto mais resistência quanto mais resiliência diante dos períodos de vacas magras.
Aliás, “vacas magras” não parece ser só força de expressão. Ocorre que os distúrbios populacionais tendem a ser mais comuns em populações que praticam a agricultura e a criação de gado, mas essas sociedades também são mais resistentes e resilientes que os caçadores-coletores.
Ao menos na amostra adotada pelos pesquisadores, a região mais afetada foi a da atual Cidade do Cabo, na África do Sul (17 eventos de declínio ao longo de 10 mil anos), enquanto a menos afetada foi a península da Coreia (três declínios num período de 4.000 anos).
A hipótese dos pesquisadores é que a resiliência tende a surgir num processo de “seleção de sobreviventes”. Ou seja, os grupos acabariam aprendendo com mais facilidade como reagir diante de crises quando elas se tornam frequentes a ponto de uma geração conseguir transmitir às seguintes informações a respeito de como enfrentar o problema.
REINALDO JOSÉ LOPES / Folhapress