RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Indígenas e quilombolas têm perfil etário mais jovem do que a população total no Brasil. É o que indicam novos dados do Censo Demográfico 2022 divulgados nesta sexta-feira (3) pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Segundo o órgão, mais da metade dos indígenas (56,1%) e pouco menos da metade dos quilombolas (48,44%) tinham até 29 anos em 2022. Esses percentuais superam a proporção com menos de 30 anos na população como um todo, que foi de 42,07%.
O recenseamento contabilizou um total de 203,1 milhões de habitantes no Brasil. Desse contingente, quase 1,7 milhão eram declarados indígenas (ou 0,83%), e 1,3 milhão (ou 0,66%), quilombolas.
O perfil mais jovem dos dois grupos também aparece em indicadores como o índice de envelhecimento, que nesta divulgação aponta o número de idosos com 60 anos ou mais para cada grupo de cem jovens de até 14 anos.
Essa relação foi de 35,55 entre os indígenas e de 54,98 entre os quilombolas. Os dois resultados ficaram bem abaixo da população residente total, que registrou 80 idosos para cada 100 jovens das faixas analisadas.
Outro indicador a mostrar as diferenças é a idade mediana. A estatística separa a metade mais jovem da metade mais velha de uma população.
Entre os indígenas, a idade mediana foi calculada em 25 anos em 2022. Em outras palavras, o resultado significa que metade dessa população tinha menos de 25 anos à época.
São dez anos abaixo da idade mediana do Brasil como um todo, que foi de 35 anos no mesmo período. Entre os quilombolas, a idade mediana ficou em 31 anos, também abaixo do dado geral.
A pesquisadora Marta Antunes, responsável pelo projeto de povos e comunidades tradicionais do IBGE, avalia que fatores culturais influenciam o perfil mais jovem dessas duas camadas da população.
“A importância de ter filhos, de renovar o estoque populacional do seu grupo étnico, é algo muito presente quando a gente está falando dos grupos tradicionais”, afirma.
Segundo ela, a organização da vida em comunidades também pode explicar o perfil etário de parte dos indígenas e quilombolas. Nesses locais, os pais podem contar com o auxílio de parentes mais próximos para o cuidado dos filhos, indica Antunes.
“Tem apoios, ajudas, trocas entre parentesco, que é visto sempre como muito mais amplo do que na nossa sociedade. A máxima dos quilombolas e dos indígenas é de que somos todos parentes”, diz.
De acordo com o Censo 2022, 68,91% da população indígena que vivia em terras indígenas tinha até 29 anos. É um percentual maior de jovens dessa faixa etária se comparado ao registrado entre a população indígena que residia fora dessas áreas (48,66%).
Cenário parecido foi verificado entre os quilombolas. As pessoas de até 29 anos representavam 52,57% do total nos territórios quilombolas. Fora desses locais, a proporção de jovens quilombolas da mesma faixa etária foi menor (47,84%).
O Censo 2022 é o primeiro a identificar os quilombolas e as suas características demográficas no Brasil. Nas edições anteriores, o grupo era contabilizado somente no resultado geral.
Para mapear essa população, o IBGE incluiu a seguinte pergunta nos questionários da pesquisa: “Você se considera quilombola?”.
Os quilombos surgiram como resposta à violência praticada contra os negros trazidos à força da África e escravizados no Brasil. Os primeiros registros desse tipo de formação datam da década de 1570.
A população indígena, por sua vez, já havia sido contabilizada no recenseamento anterior do IBGE, referente a 2010.
Naquele ano, a idade mediana dos indígenas, que separa a metade mais jovem da metade mais velha dos habitantes, era de 22 anos. Trata-se de um patamar menor do que o registrado pelo grupo em 2022 (25 anos).
Já o índice de envelhecimento dos indígenas em 2010 apontou a existência de 22,07 idosos (60 anos ou mais) para cada 100 jovens (até 14 anos) à época, menos do que em 2022 (35,55).
Ainda assim, o indicador seguiu bem abaixo da população total, que registrou 44,83 idosos para cada 100 jovens em 2010 e 80 em 2022.
MULHERES PREDOMINAM ENTRE INDÍGENAS, E HOMENS FICAM POUCO ACIMA ENTRE QUILOMBOLAS
A nova divulgação do Censo 2022 também trouxe dados sobre a divisão por sexo de indígenas e quilombolas.
As mulheres formavam a maioria dos cerca de 1,7 milhão de indígenas. Elas representavam 50,74% do total (ou 860 mil), enquanto os homens eram 49,26% (ou 834,8 mil).
No caso dos quilombolas (1,3 milhão), os percentuais são mais próximos, com leve predomínio masculino. Os homens somavam 50,02% do total (ou 665,4 mil), enquanto as mulheres respondiam por uma fatia de 49,98% (ou 664,8 mil).
Na população geral (203,1 milhões), há uma presença feminina mais visível. Em 2022, as mulheres eram 51,48% do total de habitantes (ou 104,5 milhões), enquanto os homens respondiam por 48,52% (98,5 milhões).
Há mais nascimentos de crianças do sexo masculino no país, mas os homens tendem a morrer mais na juventude por causas externas, como violência e acidentes de trânsito.
PRESENÇA DE HOMENS E MULHERES MUDA DENTRO E FORA DAS COMUNIDADES
Um dos indicadores destacados pelo IBGE é a chamada razão de sexo, que representa o número de homens em relação a cada cem mulheres de uma população.
Entre os indígenas, essa razão foi de 97,07 em 2022, o que indica uma participação masculina menor do que a feminina. No Censo 2010, o resultado havia sido de 101,67, o que apontava um quadro oposto, com predomínio dos homens.
Marta Antunes, entretanto, diz que a inversão do cenário de uma pesquisa para a outra pode ser fruto principalmente de uma “melhoria da captura” dos dados em 2022. O levantamento mais recente fez adaptações no questionário para ampliar o alcance junto aos indígenas.
Com isso, o número de indígenas recenseados saltou a quase 1,7 milhão em 2022, ante 896,9 mil em 2010. O IBGE já reconheceu que a pesquisa de 2010 pode ter apresentado uma subnumeração.
Considerando somente os resultados de 2022, é possível observar diferenças dentro e fora das terras indígenas. Dentro dessas áreas, a razão de sexo foi de 104,9 homens para cada 100 mulheres, o que significa uma presença masculina maior.
Fora das terras, o indicador foi de 92,79 homens para cada 100 mulheres indígenas, o que mostra um predomínio feminino. A maior parcela da população indígena (63,25%) foi recenseada fora das terras.
Fernando Damasco, gerente de territórios tradicionais e áreas protegidas do IBGE, diz que estudos anteriores ao Censo 2022 já sinalizaram que as mulheres tendem a sair mais das comunidades em busca de oportunidades.
Isso inclui a procura por trabalhos complementares aos desenvolvidos pelos homens dentro das terras, segundo o pesquisador.
Ele afirma que outra possível explicação para a migração feminina é o acompanhamento dos filhos que saem das comunidades para estudar.
“As mulheres migram muito por conta do acompanhamento dos filhos na etapa de escolarização”, diz. “São hipóteses que estão sendo levantadas, mas que precisam ser confirmadas agora por estudos de caso, focalizados.”
Entre os quilombolas, a razão de sexo foi de 100,08 homens para cada 100 mulheres. Mesmo com o equilíbrio maior entre os sexos, também é possível perceber diferenças dentro e fora dos territórios.
Dentro das áreas quilombolas oficialmente delimitadas, a razão apontou 105,89 homens para cada 100 mulheres. O dado mostra um perfil mais masculino.
Fora dos territórios, o indicador foi de 99,27 homens para cada 100 mulheres quilombolas. O resultado sinaliza leve predomínio feminino.
“Além de não ter uma sobremortalidade masculina quando a gente olha para dentro dos territórios, pode ter também uma migração feminina maior para fora dos territórios”, diz Marta Antunes.
“Existe ainda a possibilidade de uma mortalidade maior entre as mulheres quilombolas que moram dentro dos territórios. São várias hipóteses que se abrem com essa publicação”, completa.
Conforme a pesquisadora do IBGE, é possível que jovens do sexo masculino sejam menos afetados em territórios quilombolas por questões como a violência.
“É uma hipótese muito forte, sim, de você ter um território com maior segurança, de ter menos violência dentro desses espaços afetando os jovens. São hipóteses interessantes que demandam também aprofundamento”, diz Antunes.
O Censo 2022 ainda não trouxe as estatísticas atualizadas sobre a mortalidade dos brasileiros.
LEONARDO VIECELI / Folhapress