PARIS, FRANÇA (FOLHAPRESS) – Há cem anos começava a última edição dos Jogos Olímpicos de Paris, com a partida inaugural do torneio de rúgbi. Fora a bandeira olímpica hasteada na tribuna do estádio de Colombes, nenhuma solenidade marcou o evento: a cerimônia oficial de abertura só ocorreria dali a dois meses. Hiatos temporais como esse não eram incomuns nas primeiras edições dos Jogos.
Naquele dia, apenas 13 mil pessoas, em arquibancadas para 45 mil, viram a seleção francesa derrotar a romena por 61 a 3. O rúgbi foi um fiasco em 1924, de público e de organização. Só três países participaram. O time dos EUA, surpreendente algoz dos anfitriões na final, quase apanhou da torcida local. O relatório oficial dos Jogos registrou delicadamente que “os espectadores se retiraram bastante decepcionados”. Isso contribuiu para a modalidade só retornar ao programa olímpico quase um século depois, no Rio, em 2016.
O restante dos Jogos de cem anos atrás, porém, foi um sucesso. O torneio de futebol –também realizado antes da cerimônia de abertura, e vencido pelo Uruguai– e as competições de atletismo lotaram Colombes, apesar da distância (15 km a noroeste de Paris) e do preço da passagem de trem, aumentado especialmente para a ocasião –o mesmo que ocorrerá, por coincidência, nos Jogos deste ano.
O estádio virou palco dos jogos das seleções francesas de rúgbi e futebol, até 1972, ano da ampliação do Parc des Princes. Em Colombes foi disputada a final da Copa do Mundo de 1938 (Itália 4 x 2 Hungria). Pelé atuou duas vezes no local. Fez três gols em 1963, no amistoso Brasil 3 x 2 França. Em 1971, pelo Santos, enfrentou um combinado Olympique de Marselha e Saint-Etienne -a atriz Brigitte Bardot deu o pontapé inicial. O jogo foi zero a zero.
Na parte do Pelé, colocar que ele jogou duas vezes no estádio. Em 1971, o Santos jogou um amistoso com um combinado Olympique de Marselha/ Saint-Etienne, e a atriz Brigitte Bardot deu o pontapé inicial. O jogo foi zero a zero.
Batizado em 1928 com o nome de Yves du Manoir, um jogador de rúgbi morto aos 23 anos em um acidente aéreo, o estádio é um raro vestígio de Paris-1924 que ainda estará em uso em Paris-2024.
Mas quem espera encontrar hoje uma arena grandiosa se decepciona. Do antigo estádio resta apenas a tribuna principal. As outras arquibancadas foram demolidas para os Jogos deste ano. No lugar estão sendo erguidas outras, provisórias. Onde antes havia uma pista de atletismo e um campo de futebol, agora está o campo de hóquei sobre grama onde será disputado o torneio olímpico deste ano.
“O estádio estava quase desmoronando. É uma alegria vê-lo voltar à vida”, diz o historiador Michaël Delepine, que escreveu uma tese de doutorado sobre a história do Yves du Manoir.
Para encontrar sítios olímpicos históricos, é melhor visitar a arena da natação de 1924. A piscina de Tourelles, que consagrou o futuro Tarzan Johnny Weissmuller, sofreu uma reforma bem mais respeitosa da arquitetura histórica. Os aros olímpicos na fachada são uma homenagem autorizada pelo Comitê Olímpico Internacional. “O COI autoriza manter os aros diante de uma única sede de competição, e escolhemos aqui”, explica Lamia El Aaraje, prefeita-adjunta de Paris.
Reinaugurada na última terça-feira, depois de uma reforma que durou dois anos e custou 13 milhões de euros (R$ 71 milhões), a piscina servirá de local de treino para os nadadores olímpicos. Depois dos Jogos, será usada pela população da região leste de Paris. Segundo a prefeitura, a reforma foi feita com madeira reciclada da construção original. Um teto retrátil foi instalado: em 1924 a piscina era descoberta.
O terceiro remanescente de um século atrás nos Jogos de 2024 também será local de treinamento: o estádio Bauer, em Saint-Ouen, periferia norte de Paris. Muito próximo do Stade de France, sede do atletismo, hoje abriga as partidas do modesto e tradicional Red Star, recém-promovido para a segunda divisão francesa. O principal vínculo do Brasil com o estádio foi um inusitado amistoso entre a seleção e Andorra, às vésperas da Copa do Mundo de 1998. Com Ronaldo Fenômeno em campo, o Brasil venceu por 3 a 0, gols de Giovanni, Cafu e Rivaldo.
Outros locais de competição de cem anos atrás ainda existem, mas não serão aproveitados este ano. O velódromo de La Cipale, no bosque de Vincennes, a sudeste, abrigou as provas de ciclismo não apenas em 1924, mas também na primeira edição dos Jogos em Paris, em 1900. Ainda usado em pequenas competições, é aberto à visitação. Perto dali, o estádio Pershing, usado para o futebol um século atrás, foi demolido nos anos 1960 e transformado em um complexo poliesportivo, hoje usado sobretudo para partidas de beisebol.
O Velódromo de Inverno, sede do boxe em 1924, entrou para a história de forma sombria, por ter sido campo de detenção de judeus deportados para Auschwitz na Segunda Guerra. Foi demolido em 1959. Uma placa no local recorda o passado infame.
Algumas provas dos Jogos de 2024 serão realizadas em locais históricos, mas nenhum deles foi utilizado cem anos atrás. O tradicional complexo de Roland Garros, palco dos torneios de tênis e boxe deste ano, não existia em 1924. Foi inaugurado quatro anos depois. O Grand Palais, pavilhão monumental construído para a Exposição Universal de 1900 e famoso por sua cúpula de vidro, será sede da esgrima e do taekwondo, mas nos anos 1920 só era aproveitado para salões de artes plásticas.
Curiosamente, o Parc des Princes, onde serão realizadas partidas dos torneios masculino e feminino de futebol, foi cogitado em 1924 como local de construção do estádio olímpico, antes que se optasse por Colombes.
Participação brasileira
O Brasil teve uma participação discreta nos Jogos de 1924. Sem verba federal, o país enviou uma delegação de doze atletas, três do remo, um do tiro e oito do atletismo.
O atirador e os remadores pagaram do próprio bolso a viagem. A equipe de atletismo foi bancada por uma vaquinha organizada pelo jornalista Américo Rego Netto, dirigente da Federação Paulista de Atletismo.
Uma seletiva nacional chegou a ser organizada, mas os cariocas desistiram na véspera quando Rego Netto anunciou que os paulistas, tendo levantado o dinheiro, se atribuíam o direito de escolher quem iria a Paris, qualquer que fosse o resultado.
Na cerimônia de abertura, a diminuta delegação brasileira chamou a atenção por ter sido a única que levantou a bandeira ao passar diante da tribuna de honra, rompendo o protocolo, que recomendava baixá-la.
A bandeira usada naquele dia, com estrelas bordadas em relevo, com fio de prata e lantejoulas, foi parar em um baú da família de um dos atletas da delegação, Alberto Byington Jr. Ele era filho da filantropa Pérola Byington (1879-1963), fundadora da Cruzada Pró-Infância e descendente de confederados americanos que se exilaram no interior paulista depois da derrota na Guerra de Secessão (1861-1865).
Nos Jogos de 1924, o melhor resultado brasileiro foi no remo, o quarto lugar (entre cinco competidores) dos irmãos Edmundo e Carlos Castello Branco no duplo skiff.
ANDRÉ FONTENELLE / Folhapress