PM está ferida por uma política de segurança que não dá resultados, diz ouvidor da polícia de SP

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Para chegar até a sala do ouvidor da polícia de São Paulo, o professor Cláudio Silva, 47, é preciso subir por um elevador antigo, de manivela, manuseada por um vigilante que também faz a função de ascensorista.

Para Claudinho, como ele prefere ser chamado, a situação precária do imóvel no centro da capital ilustra as dificuldades que o órgão tem de fazer seu trabalho de fiscalizar a atuação das forças de segurança paulistas.

“A gente não tem ar-condicionado, a gente tem um piso taqueado, a gente convive o tempo inteiro com insetos, mosquitos, baratas”, afirma ele, no cargo desde dezembro de 2022.

Seu mandato acaba no fim de 2024, e ele pode tentar uma recondução, mas a palavra final será do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos).

Claudinho não poupa críticas ao governador e a seu secretário de Segurança Pública do Estado, o ex-PM Guilherme Derrite. Para ele, a dupla tem estimulado uma política de confronto, que inclusive seria a responsável pelo aumento de mortes causadas por policiais no estado.

“O que eu sinto é que nós temos hoje uma instituição ferida por essa nova perspectiva de gestão da política de segurança pública, que nós sabemos que já existe no Brasil, em todos os cantos do Brasil, há no mínimo 30 anos e que não tem dado resultados efetivos para a população”, afirmou ele em entrevista à Folha na sede do órgão.

Claudinho também reclama da dificuldade de acesso a boletins de ocorrência, perícias e outros documentos elaborados pelas polícias Civil, Militar e Científica do estado. A falta disso dificulta o acompanhamento apurações e investigações de denúncias de abusos, excessos e mortes praticados por policiais em serviço, uma das atribuições da Ouvidoria, segundo ele .

O órgão não tem poder para investigar, indiciar ou punir agentes públicos, apenas para receber e encaminhar denúncias. Por isso, ele compara a sua atuação com a de um ombudsman. “A Ouvidoria é o escudo do povo, dos injustiçados”.

*Folha – Qual que é a sua relação com o governador?*

*Cláudio Silva -* A minha relação com o Tarcísio e com o Derrite deveria ser uma relação de diálogo cotidiano, frequente e ativo. Ocorre que, hoje, não existe esse diálogo. Eu já tentei espaço de diálogo com o governador, já estive em algumas ocasiões com o secretário de segurança pública, mas, hoje, sequer o telefone do secretário eu tenho.

Essa postura emite uma mensagem de que não há espaço para o diálogo. Quando nós assumimos a Ouvidoria, a principal ferramenta que a gente apresentou como fundamental para construir uma segurança pública mais eficiente, mais eficaz, que as pessoas possam valorizar e legitimar, foi a ferramenta do diálogo. Isso é muito grave.

*Folha – E como é a relação com a PM?*

*Cláudio Silva -* A minha relação com a PM, com a Polícia Civil, com a Polícia Científica, é uma relação institucional, é uma relação qualificada, uma relação de respeito, eu prezo muito por ela. A gente tem buscado enfrentar uma perspectiva institucional que, na nossa opinião, do ponto de vista sistêmico, ela não faz bem nem para a sociedade e nem para os próprios policiais. A gente recebe reclamações aqui de policiais que são perseguidos, de policiais que são destratados.

*Folha – O sr. já afirmou que a atual gestão mudou a trajetória da PM, que teria passado a ser mais violenta…*

*Cláudio Silva -* Principalmente a fala do secretário, ela potencializa esse perfil mais violento da corporação. A postura do secretário é uma postura muito de embate, de combate. E essa perspectiva implantada no estado de São Paulo hoje é de um policiamento ostensivo e repressivo. Isso, infelizmente, não dialoga com nenhuma perspectiva de direitos humanos e não dialoga com uma questão fundamental que está lá no artigo 5º [da Constituição], que é o direito à vida.

Eu acho muito grave essa postura do governo do estado em relação ao que ele deve prover de segurança pública. É importante que se diga que essa polícia é a mesma polícia que ao longo dos anos tem dado exemplos. Até 2022, ela vinha dando exemplos de como evoluir tecnologicamente, tecnicamente, na oferta da política de segurança pública.

O que eu sinto é que nós temos hoje uma instituição ferida por essa nova perspectiva de gestão da política de segurança pública, que nós sabemos que já existe no Brasil, em todos os cantos do Brasil, há no mínimo 30 anos e que não tem dado resultados efetivos para a população. O que nos traz esperança é o fato da gente saber que dentro da corporação [a PM] tem pessoas boas, que não vão cair no erro ou na armadilha de entrar nessa perspectiva de atuação repressiva dessa atuação de desvalorização da vida, que, inclusive, coloca em risco a sua própria vida.

*Folha – O primeiro trimestre deste ano registrou aumento de 138% na quantidade de mortos pela PM. Policiais militares estão se sentindo mais respaldados pelo governo para entrar em confronto?*

*Cláudio Silva -* Eu acho que os PMs estão se sentindo mais respaldados, porém estão sendo mais enganados. Eles podem estar se sentindo no direito de exercer essa política da morte, mas eles vão se deparar ali na frente com o Estado democrático de Direito. As instituições democráticas continuam vivas e atuantes.

Alguns resultados da Operação Escudo a gente já percebe. Com policiais indiciados, com policiais no banco dos réus, e isso é o que vai acontecer com todas as pessoas que atuam no sistema de segurança pública sob essa perspectiva. Daqui a pouco, essa gestão acaba. E essas pessoas vão continuar respondendo pelos crimes que estão cometendo, enganados por uma perspectiva de atuação operacional que não tem nenhum respaldo na legislação.

*Folha – O senhor esteve presente na Baixada Santista durante as operações Escudo e Verão. O que viu?*

*Cláudio Silva -* As memórias dessas pessoas [mortas na ação] precisam ser valorizadas. Essas pessoas foram apresentadas nos documentos oficiais e na sociedade como bandidos. E a gente já tem, por exemplo, da Escudo, que é o resultado, por exemplo, do Jefferson Junior, que era morador em situação de rua. A Promotoria chegou à conclusão de que ele efetivamente não ofereceu qualquer risco aos policiais. Ele não estava armado e nem portando drogas. Essas pessoas não podem, com o seu sepultamento, caírem na vala comum da criminalização.

*Folha – Quais os maiores entraves para realizar seu trabalho?*

*Cláudio Silva -* A Ouvidoria, ao longo dos anos, tem passado por uma série de perseguições que não vêm desse governo. A gente não tem recurso para imprimir o nosso relatório, isso não é de hoje. A gente trabalha num prédio totalmente desprovido de qualquer coisa. A gente não tem ar-condicionado, a gente tem um piso taqueado, a gente convive o tempo inteiro com insetos, mosquitos, baratas e o nosso elevador é a manivela. Nós não temos internet wifi, nós nunca tivemos um sistema para tramitação das nossas questões internas.

A gente percebeu que ao longo da nossa atuação nessa gestão, alguns acessos que a Ouvidoria tinha a documentos, a BOs, foram retirados.

*Folha – Pretende se candidatar a algum cargo?*

*Cláudio Silva -* Eu fui candidato a deputado estadual em 2018, eu construo o PT, do qual eu sou filiado. Eu faço um esforço tremendo e avalio que tenha conseguido fazer uma atuação desprovida do sentimento partidário, fazer uma atuação quanto mais técnica possível. Então, eu quero cumprir o meu mandato aqui, mas eu não descarto nenhuma possibilidade, eu não descarto e pode ser alguma possibilidade de ser candidato a vereador ou a deputado.

Claudio Silva, 47

Criado em uma comunidade na periferia da zona sul de São Paulo, trabalhou como engraxate na adolescência. Foi quando conheceu o movimento negro, o qual milita há mais de duas décadas, assim como no hiphop e no rap. Filiado ao PT, foi coordenador de Políticas para Juventude da Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania durante a gestão Fernando Haddad

PAULO EDUARDO DIAS / Folhapress

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