BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O valor pago pelo COB (Comitê Olímpico do Brasil) em salários para cartolas e gerentes supera o repasse de verbas das Loterias a 27 das 33 confederações esportivas do Brasil.
Anualmente, segundo dados do próprio portal de transparência do comitê, são gastos mais de R$ 9 milhões com os salários de presidente, vice, sete diretores e dez gerentes, os cargos mais altos do órgão –a soma considera também o pagamento do 13º e o benefício do 14º salário. Alguns pagamentos ultrapassam o teto do funcionalismo público, que é de R$ 44 mil mensais.
Apenas seis confederações recebem, por ano, mais do que isso: as de vôlei (R$ 12,2 milhões), ginástica (R$ 12 mi), desportos aquáticos (R$ 11,3 mi), skate (R$ 10,5 mi), boxe (R$ 9,9 mi) e judô (R$ 9,1 mi).
Os valores têm como base a previsão orçamentária, divulgada pelo próprio COB, para o ano de 2024.
Questionado pela reportagem, o Comitê Olímpico do Brasil afirmou que age conforme a lei, sob os princípios da transparência e da austeridade, que trabalha para reduzir salários e que, em 2022, contratou uma auditoria especificamente para analisar sua folha de pagamento.
“Quando o presidente Paulo Wanderley assumiu, houve uma redução geral dos salários dos cargos mais altos da entidade, ficando abaixo do teto do funcionalismo público federal”, disse o comitê em nota.
“Devido à aplicação obrigatória dos índices de correção ao longo dos anos, alguns salários de diretoria ultrapassaram o limite em questão [funcionalismo público]. Assim, em tais casos, o COB paga os salários com recursos das Loterias até o teto do funcionalismo público federal e complementa a diferença com recursos privados, justamente para respeitar a legislação trabalhista.”
O órgão também afirmou que o investimento do comitê nas modalidades não se resume aos recursos ordinários descentralizados através da Lei das Loterias. Além deles, prevê mais R$ 311 milhões para a preparação esportiva. E que pelo menos parte dos recursos será direcionada às confederações, em valores que giram em torno de R$ 4 milhões por entidade, mas que, em alguns casos, podem superar os R$ 10 milhões.
O COB disse ainda que esse montante vem crescendo desde 2021, ao passo que os gastos com a parte administrativa caíram 30% desde 2016.
“Atualmente, o COB investe 86% de seus recursos em atividade-fim, ou seja, em esforços voltados ao esporte, um recorde histórico”, completou a entidade.
No ano dos Jogos Olímpicos de Paris, o comitê anunciou que o repasse das Loterias às confederações atingiram o recorde de R$ 225 milhões.
O montante que cada confederação recebe do COB é definido por critérios técnicos, como a colocação dos atletas em Olimpíadas e em campeonatos mundiais e também a avaliação de gestão, transparência e prestação de contas das entidades.
O salário dos dirigentes também é pago, em grande parte, por verbas da mesma origem que o repasse às confederações, a arrecadação das Loterias.
A soma da remuneração contabilizada pela reportagem não considerou diárias para viagens, que também são pagas usando a mesma verba.
Nos últimos cinco meses, de outubro de 2023 a fevereiro de 2024, as diárias somam quase R$ 389 mil –o portal do COB apenas disponibiliza, por meio de transparência ativa, os valores referentes aos últimos cinco meses.
“O site do COB reproduz o que é praticado no portal da transparência do Governo Federal, que apresenta os últimos cinco meses de contracheque. Os demais meses podem ser acessados mediante solicitação”, afirmou a entidade.
Em 2024, além do desafio olímpico, o presidente Paulo Wanderley concorre à reeleição. Deve sair como seu concorrente o seu atual vice-presidente, Marco Antonio La Porta.
O salário desses dois cargos, no entanto, não são os maiores da cúpula, uma vez que ambos são limitados por lei –são de, respectivamente, R$ 29,1 mil e R$ 26,4 mil.
No entanto, dirigentes e coordenadores, por exemplo, recebem valores acima inclusive do teto do funcionalismo público.
É o caso de Rogério Sampaio, diretor-geral do COB e braço direito de Paulo Wanderley.
Segundo o portal da transparência do COB, o ex-judoca recebe R$ 58,1 mil mensais (R$ 41,6 mil de recursos das Loterias e R$ 16,5 mil de verba privada).
Também Luciano Hostins (diretor jurídico) e Isabele Duran (diretora administrativa e financeira) têm remuneração acima do teto constitucional, ambos de R$ 47,3 mil.
Paulo Wanderley chegou ao COB em 2017, então como vice de Carlos Arthur Nuzman.
Meses depois, Nuzman renunciou e foi preso no âmbito de investigações de corrupção envolvendo as Olimpíadas do Rio de Janeiro.
Ele chegou a ser condenado, juntamente com o ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral, por suposto pagamento de propina envolvendo os Jogos Olímpicos do Rio, em 2016.
No início de março, no entanto, a condenação foi anulada pela Justiça, após o juiz Marcelo Bretas declarar sua incompetência para o caso.
Nas eleições de 2020 do COB, Wanderley se manteve no cargo.
Antes de chefiar o COB, ele foi presidente da CBJ (Confederação Brasileira de Judô) durante 16 anos, de 2001 a 2017.
Além de Wanderley, outros nove nomes dos 19 integrantes da cúpula do COB ou foram da CBJ ou atuavam no judô. Alguns já estavam no comitê antes de ele assumir a presidência.
Ex-judoca e campeão olímpico em Barcelona-1992, Rogério Sampaio foi o único presente na reunião que, logo após o recorde de medalhas obtido em Tóquio-2020, demitiu o então diretor esportivo do comitê, Jorge Bichara.
O episódio marcou o racha entre Wanderley e seu vice, La Porta, que devem se enfrentar na disputa pelo comando do COB neste ano.
Em nota, o COB disse que “o judô é a modalidade com maior número de conquistas em Jogos Olímpicos, e diversos profissionais de destaque da modalidade já atuavam no comitê antes do início da atual gestão”.
JOÃO GABRIEL / Folhapress