SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Mirella Figueiredo de Castro Sato sempre se emociona quando vê campanhas do Dia das Mães que apresentam crianças carinhosas e agradecidas, dando presentes para uma mãe plena e feliz. “Durante muito tempo eu vivi assim”, diz a designer de 49 anos, mãe de Isabela, 21, e Victor, 18. “Mas depois eu despertei para uma realidade mais dura.”
Os últimos quatro anos do filho caçula foram desafiadores. Victor se descobriu homossexual, começou a postar conteúdo erótico no TikTok. A mãe não queria que ele se expusesse nas redes sociais sendo menor de idade. Não havia qualquer cobrança por parte dos pais quanto à sua sexualidade, mas ele ainda não se aceitava. Victor acabou mutilando os braços com uma lâmina, tomou uma caixa de remédios da mãe, por muito pouco não se atirou da janela do quarto.
Mirella começou a passar 24 horas ao seu lado. As tentativas de suicídio do filho se mesclaram com fugas noturnas, em busca de festas da comunidade gay no centro da cidade, onde ele usava drogas. A família descobriu que ele tinha TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade), o que explicava o comportamento ansioso. Depois de muita terapia, medicamentos, consultas com psiquiatras e psicólogos, Victor amadureceu e “apaziguou”. Deixou as drogas e já não faz uso de nenhum medicamento psiquiátrico.
No ano passado, foi a vez da filha mais velha, Isabela, enfrentar uma depressão profunda, enquanto estudava em Curitiba. Não conseguia sair da cama, tomar banho ou se alimentar. Mirella deixou São Paulo e passou uma semana com ela em Curitiba, até convencê-la a voltar para a casa dos pais e se cuidar. Hoje a jovem faz faculdade e se prepara para um intercâmbio na França.
Para o próximo domingo (12), Mirella, o marido e os filhos ainda não têm nada programado. “O Dia das Mães é sempre bom, mas não é nada diferente dos demais dias. Meus filhos não ficam mais carinhosos porque é Dia das Mães”, brinca. “Mas fico feliz por estarmos juntos.”
O exemplo de Mirella ilustra o quanto a realidade das mães pode ser muito distante das campanhas açucaradas que embalam a chegada do segundo domingo do mês de maio. Na tentativa de incrementar as vendas, as marcas apelam para os sentimentos de amor e gratidão, exibindo relações perfeitas entre mães e seus filhos.
Duas marcas decidiram ir na contramão dos doces momentos em família e expuseram conflito e sobrecarga de trabalho. O Boticário investiu em um curta-metragem (3 minutos e 45 segundos), assinado pela AlmappBBDO, intitulado “Tormenta”. Uma mãe passa a noite esperando pelo filho adolescente, que não dá notícias, eles discutem, se irritam um com o outro, até que no dia seguinte o filho pede desculpas.
Já a Renner decidiu mostrar a sobrecarga de trabalho das mães, conhecida como “trabalho invisível”: a filha tenta fazer o planejamento do dia da mãe e percebe que ela tem tarefas demais e tempo de menos, inclusive para si mesma.
“Nós fizemos pesquisas qualitativas com consumidoras, promovemos social listening [pesquisa nas redes sociais] e identificamos esse período pouco retratado nas campanhas, a adolescência, como um momento de muita tensão na relação entre mães e filhos”, diz Marcela De Masi, diretora de branding e comunicação do Grupo Boticário (dono também de marcas como Quem Disse, Berenice?, Eudora e Vult). “Descobrimos que é uma fase que as mães se sentem tão sozinhas quanto os adolescentes.”
A empresa não revela o investimento, mas foi o maior aporte para uma campanha de Dia das Mães da história da marca, fundada em 1977. “Quisemos levar as pessoas a refletirem sobre uma relação de verdade, que tem momentos de tormenta, sim, mas sobrevive se estiver baseada em um sentimento forte, como o amor entre mãe e filho”, diz Marcela, mãe de um menino de 3,5 anos e madrinha de uma jovem de 22 anos, que mora com ela desde os 17. “Sei como agem os adolescentes”, brinca. “Não dava para explicar toda essa complexidade em um filme de 30 segundos.”
Desde a sua estreia, na metade de abril, até agora, o filme rendeu cerca de 320 mil compartilhamentos nas redes sociais do Boticário.
A imensa maioria das famílias não é perfeita como as que aparecem nos comerciais de margarina, lembra a psicóloga com mestrado em gênero Cecília Russo Troiano, diretora geral da Troiano Branding, consultoria de gestão de marcas. “Todos nós enfrentamos conflitos, disputas, perdas, frustrações dentro de casa. As marcas que não se conectam com a realidade das pessoas correm o risco de ficarem obsoletas”, diz.
Segundo a especialista, existe um movimento nas redes sociais lembrando que a maternidade não é só cor-de-rosa. “Está mais para um arco-íris, com emoções dos mais diferentes tons, que podem estar sob luz ou sombras”, afirma Cecília, que se lembrou da relação com a própria filha a partir do filme do Boticário. “Certo dia, quando ela era mais jovem, me disse: ‘Você está aprendendo a ser mãe de adolescente'”, diverte-se. “E é isso mesmo: mãe e filho é uma relação que se constrói, como qualquer outra, não nasce pronta.”
Na opinião de Gisela Castro, professora do programa de pós-graduação em Comunicação e Práticas de Consumo da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing), muitas das tradicionais campanhas para o Dia das Mães partem de concepções masculinas. “Em um mundo pensado por homens, a mulher foi naturalmente talhada para a maternidade e sabe instintivamente como ser mãe, o que não é absolutamente verdade”, afirma.
“Essa cobrança se torna ainda dura em sociedades patriarcais como a nossa, em que o filho é para a mãe cuidar”, lembra Gisela. “E o que é pior: esse sentimento é internalizado na maioria das vezes pelas próprias mulheres, que acabam aceitando até com naturalidade a sobrecarga de trabalho.”
Data também pode trazer tristeza e frustração
Esse dilema é retratado na campanha da Renner, assinada pela agência Paim: a menina elenca uma série de atividades feitas pela mãe ao longo do dia e percebe que elas não se encaixam em 24 horas. “Para fazer essa campanha, nós fomos ouvir nosso público interno, as funcionárias da Renner que são mães, nos mais diversos postos, da vendedora à diretora”, diz Renata Altenfelder, diretora de marketing da Renner.
Segundo ela, o objetivo foi mostrar empatia com as mães, e ao mesmo tempo chamar a atenção do entorno dessas mulheres para que cada um se torne parte da rede de apoio. “Uma colaboradora disse na pesquisa que uma das coisas que mais a emocionou nos primeiros dias de maternidade foi receber a visita de amigas que a ajudaram a arrumar a casa”, diz Renata, que se apresenta como uma das maiores apoiadoras das irmãs e das amigas com filhos.
“Tenho 49 anos e tentei engravidar até os 42. Eu e meu marido não conseguimos. Mas descobri que posso exercer meu maternar com os filhos das pessoas que eu amo, isso me faz muito bem”, diz.
Gisela Castro, da ESPM, destaca que o Dia das Mães não é feliz para todo mundo.
“Existem pessoas que perderam a mãe e ainda guardam luto, ou que tiveram uma relação conturbada com a mãe e não têm boas recordações. Ou mulheres que simplesmente não sentem identificação com a maternidade e são cobradas por isso. Aquelas que perderam filhos ou que desejam filhos e não têm”, diz a especialista, mãe de gêmeas. “Uma delas teve filho e a outra ainda tenta engravidar. Estão em momentos muito diferentes.”
Algumas marcas procuram demonstrar cuidado com quem não vê o Dia das Mães com alegria. Desde a pandemia, o Boticário decidiu fazer uma enquete com seus clientes para quem saber quem estava disposto a receber campanhas publicitárias em datas especiais, como Dia das Mães ou Dia dos Pais.
“Muitos dos nossos colaboradores perderam pessoas queridas durante a pandemia”, diz Marcela De Masi. “Percebemos que ouvi-los antes de enviar a campanha de algumas datas para o seu email ou suas redes sociais era o mais indicado a fazer, para respeitar o seu momento.”
DANIELE MADUREIRA / Folhapress