SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Era a primeira reunião de trabalho de Natacha Tcholakian, 36, depois de dois meses. Como sempre, ela tinha importações para coordenar, novos produtos em desenvolvimento para acompanhar numa das principais fabricantes de ventiladores, condicionadores de ar e eletroportáteis do país. Mas havia algo diferente.
Durante todo o encontro virtual em janeiro deste ano, Isabella, então com dois meses, estava nos braços de Natacha, que é diretora de novos produtos da Ventisol -título que não mostra tudo o que faz. Ela também cuida da gestão estratégica, das áreas de importação, exportação e do marketing da companhia.
A mãe diz, orgulhosa, que a menina não chorou em nenhum momento. Para Natacha, era o primeiro passo.
Depois disso, passou a ir à sede da empresa, em Palhoça (SC), a cerca de 30 km de Florianópolis, uma vez por semana. Em março, voltou a comparecer todos os dias.
“Tive dúvidas de como seria. Muitas dúvidas. Mesmo sabendo que poderia ficar de licença, quis retornar o mais rápido possível e não abri mão das reuniões. Eu sei que outras pessoas poderiam fazer isso por mim, mas me sinto responsável. Queria ajudar meu pai”, afirma.
“O Alexis ficou preocupado de eu não estar presente. Então, sei que voltar foi um alívio. Ele não queria ser uma imposição. Era decisão minha. Ele quis deixar claro que não estava impondo a volta e que eu não me sentisse responsável por estar lá”, completa.
“Alexis” é seu pai, Alexis Suren Tcholakian Morales, CEO e fundador da companhia. Uruguaio que consertava motores de ventiladores em seu país, ele chegou a Santa Catarina aos 14 anos. A Ventisol foi criada em 1997.
Natacha foi contratada em 2007, aos 20 anos, assim que entrou no curso de administração na Universidade Federal de Santa Catarina. Negociava peças de ventiladores de teto e maquinários.
A expectativa é que, neste ano, a Ventisol e sua marca de eletrodomésticos e eletroportáteis, a Agratto, vendam 10 milhões de unidades. O faturamento previsto é de R$ 2 bilhões. São mais de mil funcionários em quatro fábricas: duas em Palhoça, uma em Vitória do Santo Antão-PE e outra na zona franca de Manaus.
A maternidade foi um misto de sonho e receio. Como a empresa ficaria? Fosse uma empresa de capital aberto, com vários executivos e clima mais impessoal, ela sabe que conseguiria encarar melhor a situação. Mas era o sonho de seu pai, o empreendimento da família. Ela não apenas sabia ser necessária como havia o orgulho em jogo. Não queria passar a imagem de quem se aproveitava de ser herdeira.
De acordo com dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), as mulheres têm esperado mais tempo para ter filhos. Houve queda de 11,2% no número mães entre 20 e 29 anos entre 2018 e 2022, mas aconteceu aumento na faixa etária de 40 a 49 anos (30,8%).
O mercado para executivas é restrito. Entre os cargos de diretoria, 26% são ocupados por elas no pais, segundo pesquisa Panorama Mulheres 2023, feito pelo Talenses Group e pelo Insper.
Claro que a situação de Natacha não é a mesma de uma operária da sua fábrica que tem uma criança de poucos meses. Com condição financeira privilegiada, a diretora conta com a ajuda do marido, da mãe e, em caso de necessidade, de uma babá para tomar conta de Isabella. Mas a maneira como ela vê esse dilema entre maternidade e vida profissional mudou.
“A gente se torna uma pessoa melhor, mais focada. Começa a pensar em como aquela funcionária que está na fábrica todos os dias consegue fazer tudo aquilo sendo mãe. E tem força para isso. A admiração fica maior. Não sou uma pessoa em casa e outra na empresa. Sou a mesma. Se eu melhorar como ser humano, vou melhorar como líder no trabalho. Estou conseguindo ser mais eficaz e isso me deixa tranquila para ser mãe”, diz.
A preocupação de Natacha é a internacionalização dos serviços da Ventisol. Diferentes componentes usados nas fábricas vêm do exterior porque os produtores brasileiros não dão conta da quantidade de peças necessárias. Ela diz ser este um problema enfrentado por todas as empresas do setor.
As importações são preferencialmente da China, mas há o plástico da Coreia do Sul, fornecedores da Índia e maquinário pode chegar da Alemanha ou Itália.
“A gente gasta bastante e o esforço é para negociar bem e que o produto chegue com qualidade e no momento que a gente precisa. Se o verão se aproxima, não pode faltar matéria-prima para os ventiladores”, finaliza.
É uma tarefa considerável para quem se reveza com o marido para acordar de madrugada para cuidar de Isabella. Ela confessa que a maternidade a obrigou a fazer algo que é difícil, reconhece, em uma empresa familiar: delegar tarefas.
“Eu não quero ficar ansiosa por causa do trabalho. Às vezes, consigo, mas não dá para dizer que todo dia dá certo. Seria mentira. Não dá. É impossível.”
“Agora posso trabalhar também em outros setores, em projetos novos. É uma luta porque a empresa, para o meu pai, também é como um filho.”
ALEX SABINO / Folhapress