Filme ‘Clube Zero’ falha em provocações de mau gosto e estilo asséptico

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Clube Zero” começa da mesma forma que outros filmes de Jessica Hausner. Pessoas uniformizadas dentro de um ambiente asséptico, impessoal, enquadrado como numa foto de imobiliária.

Jovens de um colégio de elite conversam com uma instrutora chamada Novak, interpretada por Mia Wasikowska. Em pauta, a alimentação e seus efeitos no corpo e na mente.

Instrutora de uma disciplina chamada “Comer consciente”, Novak ensina aos seus poucos alunos a importância de se comer menos. Um dos alunos, Ben, depende de uma boa nota nessa disciplina para conseguir bolsa integral no colégio. Ele ainda ama Elsa, que faz parte da pequena seita.

O filme não está preocupado, nem precisaria, em explicar por que tal disciplina tão minoritária conta para um pedido de bolsa integral, ou mesmo por que Novak tem todo esse poder dentro do colégio. A trama está posta e é com ela seguimos, já antevendo aonde ela vai com o estilo igualmente asséptico da diretora.

A escolha das cores de figurinos e ambientes operam no mesmo mau gosto de seu longa anterior, “Little Joe”, de 2019. Mas em “Clube Zero” ela volta a usar e abusar de um recurso extravasado em seu primeiro longa, “Lovely Rita”, de 2002: o zoom. Muitas cenas contêm aberturas e fechamentos do zoom, de forma lenta, sempre buscando um efeito artístico.

Nada de errado com esse procedimento, se tudo não se encaixasse de um modo irritante, em que cada escolha revele um desejo de provocar o espectador menos pela crítica a um estado de coisas do que pela afetação de um mau estilo.

A crítica sempre parece estar soterrada pelo artificialismo no cinema de Hausner, que cerra fileiras com o cinema de outros provocadores atuais como Ruben Östlund e Yorgos Lanthimos.

Parece incrível que no cinema dito autoral destes tempos, exista essa necessidade da afirmação de um estilo gélido, que afaste o espectador, recorrendo eventualmente a imagens-choque, como vômitos ou outras excreções.

No cinema de Hausner, grande parte dessa afirmação está na trilha sonora, movida a percussões, palmas, notas estridentes e até barulho de animais.

Em uma cena exemplar, ainda nos primeiros vinte minutos do filme, quatro jovens anoréxicos, entre eles, duas moças também bulímicas, todos da seita de Novak, ficam olhando feio para os outros jovens, que se serviram de refeições em quantidade, digamos, normal.

Dentro do mesmo refeitório, Novak chega a importunar, delicadamente, seu aluno Ben, que comia uma refeição normal com garfadas generosas. Nada do que fala nesse momento é estranho a qualquer pessoa que já tenha consultado uma nutricionista, mas fica a impressão de vigilância, até mesmo opressão.

Numa das conversas robóticas entre Novak e a diretora do colégio, a primeira informa que alguns alunos respondem menos aos aprendizados que outros. Uma constatação óbvia, mas a diretora da escola e a diretora do filme reagem como se fosse um problema inesperado.

Em outro momento, quando eles resolvem não comer mais, também pelo combate à fome no mundo, os jovens pegam comida, sentam-se à mesa, levam o garfo até perto da boca para recusar a comida em seguida, num gesto performático.

Em seu cinema, raramente há uma preocupação com a dramaturgia. É como se o rompimento da frieza de encenação e das bobagens performáticas descritas acima causasse algum distúrbio em todo o filme.

Mesmo que a intenção de evitar esses distúrbios -o alimentar e o da direção- crie um paralelo interessante, sente-se que algo espanou na máquina de provocar operada por Hausner.

Mia Wasikowska compõe uma personagem de horror com falas mansas e jeito meigo. Mas sua interpretação não consegue salvar o filme de uma direção que peca pela automação, mais do que pela frieza.

O filme parece satirizar muitas coisas sem qualquer contundência: o colégio de elites, a manipulação dos jovens e a idiotice de parte da juventude atual, o etarismo, a cultura vegana, a necessidade doentia de pertencimento, o domínio dos pais no funcionamento de uma escola.

A contundência só existe nos momentos de choque. Hausner parece presa demais a convenções que ela própria estabeleceu em filmes anteriores, que provocam certa irritação, num meio caminho entre a explosão e a ironia.

Quanto à recepção, imagina-se que não haverá meio caminho. Ou se detesta, ou se adora “Clube Zero”. Se o número dos que ficarem em posição neutra for grande, o filme terá fracassado miseravelmente. O clube dos malvadinhos tem mais uma sócia.

CLUBE ZERO

Onde Em cartaz nos cinemas

Elenco Mia Wasikowska, Ksenia Devriendt, Luke Barker

Produção Áustria, Reino Unido, Alemanha, França, Dinamarca, Turquia, EUA, Catar, Bósnia e Herzegovina, 2023

Direção Jessica Hausner

SÉRGIO ALPENDRE / Folhapress

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