LAJEADO, RS (FOLHAPRESS) – Os moradores do antigo bairro São José, hoje parte do centro de Lajeado (RS), a 113 km de Porto Alegre, têm larga experiência em enchentes, mas dizem nunca ter visto uma tão grande como a que atingiu a cidade na semana passada.
As consequências eram visíveis nesta quarta-feira (8). Por toda parte havia casas destruídas e calçadas e ruas cobertas com uma camada de cerca de 30 cm de lama, lixo, entulho e restos de móveis e eletrodomésticos.
Nas casas, alguns moradores lavavam geladeiras e outros pertences na tentativa de recuperá-los; outros, munidos de pás, enxadas, rodos e mangueiras, tentavam tirar o barro de dentro dos imóveis para torná-los novamente habitáveis. Nas paredes externas, as marcas da altura que a água atingiu, de 4 a 5 metros a contar do solo.
O rio Taquari, que banha o município, alcançou seu maio nível desde que se tem registro de suas cheias. Em setembro do ano passado o rio atingiu 29,5 m de elevação, marca que foi agora superada, quando chegou a 34,01 m na régua topográfica. Em novembro de 2023 o Taquari havia atingido 28,94 m. O recorde anterior havia sido registrado em 1941, com 29,9 m.
Entre os moradores que lavavam uma geladeira estavam os angolanos Joel Diasivi, 32, e sua mulher, Ntoto Kumbu Rodiane, 24, pais de uma menina de 5 anos. Na semana passada, o marido estava em São Paulo quando tudo aconteceu. “Vi a enchente pela televisão e resolvi voltar imediatamente, preocupado com a segurança de minha família”, conta.
Diasivi não conseguiu retornar por Porto Alegre, pois a rodovia que liga a cidade a Lajeado estava bloqueada pela enchente. Teve que fazer um desvio por Passo Fundo, a 288 km da capital. “Quando cheguei, vi que estava tudo perdido, e a casa cheia de lama. Felizmente minha mulher e minha filha estavam bem, em segurança, numa parte mais alta da cidade. Agora, espero pelo menos salvar a geladeira.”
Em outra rua do bairro, o comerciante e mecânico Eduardo Soares Schwertner, 52, tentava tirar a camada de 30 cm de lama de seu imóvel. No térreo ele tem uma loja e uma oficina de motos, e sua casa fica no segundo piso.
Dizendo-se acostumado com enchentes, ele se precaveu e retirou todos os veículos, materiais e ferramentas do local e os levou para um lugar seguro. “Eu esperava uma certa altura da água, até um pouco abaixo do teto da parte de baixo”, diz. “Por isso não me preocupei com a residência e deixei tudo. Só que a cheia atingiu quase o dobro [do nível] das anteriores. Ainda vim de barco aqui, mas não consegui salvar nada. Perdi tudo.”
Depois de mais de uma semana abrigada por parentes, a aposentada Jaqueline, 54, voltou para ver os estragos na sua casa, que, como quase todas naquela parte do bairro, tem dois pisos. E assim como os demais moradores, retirou tudo do térreo. “Mas eu não esperava que esta enchente fosse muito maior do que as anteriores”, queixou-se ela, que não quis informar o sobrenome, enquanto caminhava com cuidado pela lama para entrar no imóvel tomado pelo barro. “A lama chegou à altura do telhado e destruiu todos os móveis. Agora, o jeito é limpar e comprar mobiliário novo. Vou ter muitos gastos e precisar de muita paciência.”
A história do servidor público Oilquer Soares dos Santos, 48, é parecida com a dos demais. Ele também tem uma casa de dois pisos –no térreo ficava o salão de beleza da esposa, e no segundo andar fica a casa onde moram com dois filhos, um de 17 e outro de 5 anos. “Com a experiência das cheias anteriores, mudamos todos os equipamentos e materiais para o andar de cima”, diz.
De nada adiantou. A água chegou ao teto do segundo piso e eles perderam tudo, os móveis da moradia e os equipamentos do salão. Hoje, com a ajuda do filho mais velho, Santos se dedicou a retirar os restos quebrados e enlameados dos móveis e equipamentos, para depois limpar o imóvel. “Não temos alternativa e teremos que voltar para cá, embora não saibamos quando”, diz. “Minha mulher também pretende recomeçar o negócio. O jeito é seguir em frente e se preparar para a próxima.”
Nem todos pensam assim, no entanto. É o caso de Schwertner. “Não dá mais, vou sair daqui”, afirma. “Essa é a terceira enchente que enfrentamos em poucos meses. Agora estou aqui tirando todo esse lodo, [isso] tem que ser feito logo, porque quando seca vira um concreto e fica muito difícil de remover. Uma hora a gente cansa. Vou embora, procurar outro lugar para morar e remontar a oficina.”
EVANILDO DA SILVEIRA / Folhapress