Manifestantes na USP criam protocolo de segurança e querem expandir atos contra guerra em Gaza

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Estudantes que acamparam pelo segundo dia consecutivo na Universidade de São Paulo (USP) em apoio à causa palestina prometem aumentar os esforços para espalhar o protesto a instituições de ensino de todo o Brasil. Para preservar a imagem do movimento, os manifestantes discutiram nesta quarta-feira (8) a criação de uma espécie de protocolo de segurança contra ações descritas como provocativas.

O acampamento, o primeiro do tipo no Brasil, foi montado na noite de terça-feira (7) no vão do prédio de Geografia e História, na FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas). Mais de 24 horas depois, 35 barracas estavam erguidas no local, e cerca de cem pessoas acompanhavam uma mesa de debates sobre a Palestina e a guerra Israel-Hamas, iniciada em outubro do ano passado.

O protesto ganhou projeção nas redes sociais e passou a ser chamado de antissemita. As acusações ganharam força após a publicação de um vídeo que mostra um homem entrando em confronto com manifestantes e sendo expulso do local. Em imagens divulgadas pelo site judaico Pletz, ele troca empurrões enquanto é acuado aos gritos por uma multidão. Depois, chuta um manifestante, que revida.

O Pletz identifica o homem expulso como um estudante judeu da USP chamado Daniel. A reportagem entrou em contato com o site para checar a veracidade da informação, mas não obteve retorno. A FFLCH também não esclareceu se a pessoa é ou não aluna da instituição.

Segundo manifestantes, o homem tentou impedir, na noite de terça, que os integrantes da discussão fossem ouvidos, xingando-os e gritando “é mentira, é mentira”. Embora o caso tenha sido descrito como provocação, alunos presentes no acampamento nesta quarta admitiram que a abordagem não foi das mais adequadas e decidiram traçar uma forma de lidar com a situação, caso ocorra novamente.

Os estudantes decidiram criar uma comissão de segurança que atuará para diminuir a tensão em momentos de estresse. João Conceição, 25, aluno do curso de letras e um dos organizadores do acampamento, afirma que os alunos foram orientados primeiro a ignorar o ato provocativo. Se a segurança dos manifestantes for colocada em risco, integrantes da comissão então farão um cordão humano, isolando a pessoa dos demais.

“Não queremos ações violentas e precisamos de diálogo para contradizer acusações de antissemitismo”, diz Conceição, que acrescenta ter como objetivo espalhar os protestos para outras universidades do país. “Pretendemos articular em todo o Brasil e fazer o movimento virar uma intifada das universidades”, afirmou, em referência a movimentos de resistência palestinos contra a ocupação israelense.

Em nota divulgada no começo da semana, a UNE (União Nacional dos Estudantes) convocou alunos das universidades brasileiras a se unirem aos atos pró-Palestina. A presidente da organização, Manuella Mirella, afirmou em vídeo publicado na terça, em suas redes, que os alunos vão “ocupar cada universidade” do Brasil.

O acampamento na USP foi inspirado em protestos que se espalharam por vários países, com epicentro nos Estados Unidos.

No Brasil, o acampamento é organizado pelo Comitê de Estudantes em Solidariedade ao Povo Palestino (ESPP) e conta com a participação de outras organizações estudantis. Segundo Conceição, o movimento não tem um líder único, e todas as ações são decididas de forma coletiva. Ajudam a construir o ato organizações de esquerda que têm vínculos políticos, como o coletivo Rebeldia, ligado ao PSTU, e o Juntos, ligado ao PSOL.

Os manifestantes organizam também um abaixo-assinado online em “defesa do povo palestino”, que até a noite desta quarta contava com 901 assinaturas. No texto, os estudantes acusam a Universidade de Haifa, a Universidade Hebraica de Jerusalém e a Universidade Ariel, todas com convênios com a USP, de desenvolver tecnologia empregada no que consideram o genocídio palestino.

A Universidade de Haifa coordena um programa de formação de oficiais das Forças Armadas israelenses, enquanto a Universidade Hebraica de Jerusalém mantém parcerias com o Exército em programas médicos e de capacitação de soldados. Já a Universidade Ariel está localizada em um assentamento judaico em território palestino –esses assentamentos são considerados ilegais pela comunidade internacional.

Judia, a professora Suzana Chwarts, diretora do Centro de Estudos Judaicos da USP, diz que não sofreu nenhum ataque antissemita desde o começo dos atos na universidade. Ela afirma, porém, que parte dos discursos dos manifestantes na USP são mal-intencionados e “visam fomentar o ódio”.

“Se eu der uma passadinha no vão da história para defender o direito de existir do Estado de Israel, eu serei ouvida? Eu serei respeitada?”, questiona Chwarts. “Para mim, lugar de aluno é dentro de sala de aula. A população de São Paulo paga muito caro por essas salas de aula.”

A professora diz já ter testemunhado, em sua trajetória acadêmica, discursos que pedem o fim do Estado de Israel. Nos protestos atuais, ela critica o slogan “do rio ao mar”, frase entoada por manifestantes que é uma defesa de que o território palestinos se estenda oficialmente do rio Jordão, fronteira entre a Cisjordânia e a Jordânia, até o mar Mediterrâneo –hoje, essa área é, em grande parte, Israel.

De todo o modo, o clima na universidade é de tranquilidade, as aulas e atividades no centro de pesquisas estão acontecendo normalmente, diz a professora.

Manifestantes vão decidir nesta quinta (9) se o acampamento será desmontado. Estava prevista para essa data uma reunião na qual estudantes pressionariam a USP a desfazer convênios com universidades israelenses. Segundo organizadores do movimento, o encontro foi desmarcado sem explicações.

Nesta quarta, professores manifestaram apoio ao movimento. Foi o caso de Henrique Carneiro, que integra o departamento de história, segundo o site da FFLCH. “Eu me incomodo com o silêncio dos meus colegas professores. Eu me incomodo mais com o silêncio do que com o apoio a Israel”, disse Reginaldo Nasser, professor da PUC-SP e especialista em Oriente Médio, na mesa de debate promovida pelos estudantes da USP.

Em nota, a direção da FFLCH diz que o respeito à livre manifestação é uma característica da USP e que o acampamento ocorre de forma pacífica. “Assim, sua diretoria vem a público dizer que vê com normalidade o exercício do direito de livre manifestação de seus professores, estudantes e funcionários”, afirma.

RENAN MARRA E MARIA CLARA CASTRO / Folhapress

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