SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A ciência entende o trauma como um evento marcante que pode gerar respostas psíquicas. Desta forma, presenciar eventos catastróficos e traumáticos, como o que acontece no Rio Grande do Sul, pode resultar em transtornos mentais severos. Para especialistas ouvidos pela Folha, primeiro-socorro psicológico para as vítimas das chuvas é estratégia determinante para evitar o adoecimento mental.
Segundo o psicólogo, Christian Haag, professor da PUC-RS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul) e coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Trauma e Estresse, há sentimentos em comum que as vítimas de situações desastrosas experimentam.
Haag afirma que é esperado sentir medo, desesperança, solidão, ficar em estado de choque e até apresentar sintomas físicos como confusão mental, tensão muscular, mudanças no apetite e alterações no sono.
“Isso não é, a princípio, sinal de transtorno mental. A intervenção feita neste momento não é classificada como um tratamento psicológico, mas sim como uma interação que visa favorecer a resiliência da pessoa. O problema surge quando essas reações se mantêm a longo prazo, produzindo sofrimento e dificuldade no funcionamento normal da vida”, afirma.
Com o intuito de prevenir o adoecimento mental da população, a PUC-RS e o CRP (Conselho Regional de Psicologia) criaram um curso rápido em vídeo com orientações para quem está atuando no resgate. A ideia é que os voluntários possam auxiliar psicologicamente os resgatados. “Nós classificamos isso como primeiros socorros psicológicos”, explica o professor.
Os principais objetivos do treinamento são prover algum grau de conforto emocional, ajudar as vítimas a se reconectarem com as próprias redes de apoio (amigos e família) e prevenir transtornos mentais severos a médio prazo, como depressão e ansiedade. O curso não é direcionado a profissionais da saúde mental, mas sim a todos os voluntários.
“A primeira coisa que ensinamos é observar, escutar a pessoa e realizar ações para aproximá-la de serviços e recursos básicos, além de fornecer informações e ajudar a acalmá-la”, diz.
Segundo o professor, com a normalização da situação, a maioria das pessoas consegue se recuperar. Alguns, porém, desenvolvem transtornos mentais. Nesses casos, é imprescindível procurar auxílio psicológico e médico, afirma.
Os especialistas recomendam observar quando o sofrimento ultrapassa a normalidade. Se as sensações negativas persistirem por mais de um mês após o evento pode ser um sinal. O psiquiatra Elton Kanomata, do Hospital Israelita Albert Einstein, afirma que deixar de realizar atividades do dia a dia, como tomar banho, comer e pentear o cabelo, são exemplos.
Além disso, é preciso observar a frequência de pesadelos e de sentimentos de alerta, tensão, tristeza ou ansiedade. Quando não há solução espontânea e há necessidade de procurar auxílio médico psiquiátrico e psicológico.
“Depois que a situação se estabilizar, a tendência é que o caminho para reconstruir essas vidas seja o mesmo que foi tomado em Brumadinho (MG) e Mariana (MG): formação de grupos de apoio, intermediados por psicólogos, nos quais as pessoas possam falar sobre o que sentem e que muitas outras também sentem”, afirma Kanomata.
A experiência de compartilhar os traumas com aqueles que viveram a mesma situação é alternativa eficiente para lidar com as consequências, segundo o psicólogo Lucas Veiga sobre os resultados das terapia em grupo.
O psicólogo diz que tornar a questão coletiva tem efeitos muito “interessantes” na saúde mental.
QUEM CUIDA DE QUEM ESTÁ CUIDANDO?
Os profissionais alertam que voluntários que atuam nos resgates, bombeiros, prestadores de serviço e até psicólogos e psiquiatras também precisam receber cuidados na área mental, uma vez que estão ainda mais expostos a situações impactantes, como encontrar corpos, escutar histórias tristes, além de viver as próprias dificuldades.
“Aqueles que estão na linha de frente merecem ter esse cuidado com a saúde mental, pois, se não, são eles que também adoecem, mas acabam não recebendo a devida atenção”, conclui Kanomata.
VICTÓRIA CÓCOLO / Folhapress