FOLHAPRESS – É possível que eu não tenha entendido nada daquilo que Arthur Tuoto pretendeu fazer em “Foram os Sussurros que Me Mataram”, seu primeiro longa-metragem, escrito e dirigido por ele.
Mas à primeira vista era impossível por certo distanciamento da realidade, pelas frases pomposas e mesmo pela aspiração à qualidade técnica não evocar um velho filme da Vera Cruz. Lá está Ingrid, presumivelmente uma atriz famosa, trancada em um hotel, à espera de um programa (ao que parece um reality show) que ela deve conduzir ou, talvez, participar.
Ao redor toda a ação se passa no interior de seu quarto de hotel o mundo parece desabar. Ali estão os “radicais anarquistas” prontos a fazer atentados não contra a atriz, mas contra “a rede”, quer dizer, o canal de TV.
Eles estão longe de ser a única ameaça: há também os fotógrafos atrás da estrela, os participantes que decidem abandonar o show se suicidando, os patrocinadores ameaçando porque a estreia do programa pode ser adiada, mais a rede, mais os contratos, ou qualquer outro motivo etc.
Por fim, esse mundo paranoico completa-se pelas imagens futuras que Ingrid prevê (pois é vidente) e encontra-se “caos midiático” a que alguém (suspeito que a própria Ingrid) se refere a horas tantas e pelo jeito deve ter algo a ver com os vazamentos de que a personagem suspeita.
Quem dá os tiros que se escuta de tempos em tempos e que fazem parte dos ruídos ameaçadores? Não se sabe exatamente. A ameaça fica no ar. Entra um rapaz em princípio da turma dela (e/ou do programa). Ela autografa uma pilha de DVDs de filmes que estrelou, além de um revólver que o rapaz trouxe consigo.
A ameaça armada está em toda parte, menos ameaçadora, no entanto, do que os diálogos pomposos: “o modernismo nos fez desconfiar e desgostar de nós mesmos”, diz alguém. A menos que faça referência ao caráter de “grande drama passadista metafísico” do filme, a frase surge do nada e vai para parte alguma.
Ou antes, talvez se conecte com outra afirmação tirada da algibeira sobre “a verdadeira vanguarda”, que será a do irracional, do cruel, do implacável seja o que for, é algo que não se demonstra no filme.
À parte a possibilidade de as intenções de Arthur Tuoto terem passado ao largo de minha compreensão, é preciso dar um crédito ao autor: ele fez o filme que quis, e nesse setor mostrou-se competente. Ele imprimiu o charme anacrônico, pré-moderno mesmo, que lembra as maluquices da Vera Cruz e misturou-o a temas contemporâneos, como uma violência que parece (só parece) não ter motivo nem finalidade. E, sobretudo, explorou e buscou favorecer sua atriz, Mel Lisboa, que, diga-se, se porta muito bem.
Não há como garantir que são os sussurros (de redes sociais?) que a afetam, ou a tensão do ambiente de TV, ou ambos. Também não é possível prever se, passado este exercício de afirmação no clube do “filme bem feito” e vencido o surto de pompa e circunstância adolescente, os trabalhos futuros venham resgatar o realizador, que não parece alguém desprovido de talento.
FORAM OS SUSSURROS QUE ME MATARAM
– Avaliação Regular
– Quando Em cartaz
– Onde Nos cinemas
– Classificação 14 anos
– Elenco Mel Lisboa, Otavio Linhares e Carla Rodrigues
– Direção Arthur Tuoto
INÁCIO ARAUJO / Folhapress