MADRI, ESPANHA (FOLHAPRESS) – Caio Benicio, o herói de Dublin, que há seis meses evitou o final fatal de um ataque a facas contra uma criança, poderia estar tomando cerveja com sua família numa praia de Niterói, mas ele preferiu voltar à Irlanda e ser candidato a conselheiro municipal, equivalente ao cargo de vereador, na capital do país europeu.
“Depois do que aconteceu, me conectei muito com as pessoas daqui, com os brasileiros que vivem e trabalham em Dublin. Resolvi ajudar porque percebi que minha atitude instintiva gerou muita representatividade na causa imigrante”, contou ele à Folha nesta segunda (13).
Foi o instinto que fez Benicio descer da moto em que fazia delivery e acertar a cabeça do agressor com um capacete, em 23 de novembro passado, na frente de uma escola.
Mas foi o que aconteceu depois que o deixou de orelha em pé. “Aquela foi uma noite de terror. Os radicais anti-imigração, achando que o agressor era imigrante, saíram pelas ruas de Dublin atacando pessoas, queimando carros da polícia e destruindo lojas. Os imigrantes se esconderam”, afirmou.
“Até que, no dia seguinte, saiu nos jornais que o agressor era irlandês [um argelino naturalizado irlandês] e eu era imigrante. Se não fosse isso, acredito que o terror teria continuado por vários dias.”
Assim, após conhecer políticos foi, por exemplo, recebido pelo então primeiro-ministro da Irlanda, Leo Varadkar, e homenageado com uma medalha pelo ato de coragem, o brasileiro resolveu concorrer às eleições irlandesas.
O partido que escolheu é o Fianna Fáil, uma sigla de centro, bem longe da polarização que ele constatou no Brasil quando voltou para passar o fim de ano. Sua família segue em Niterói, mas a intenção é que se mude para Dublin no ano que vem, quando a filha de 19 anos se formar na escola de atuação.
Na Irlanda, Benicio testemunhou imigrantes serem atacados com ovos e pedras. Ali, os radicais costumam usar a frase “Ireland is full” (a Irlanda está lotada) em protestos pelo país. “Mas eu acredito que eu possa ajudar os imigrantes.”
O maior desafio, agora, é informar os brasileiros de Dublin de que, sim, eles podem votar. “Os brasileiros regularizados, que estudam ou trabalham pagando impostos na Irlanda, podem votar, mas 99% deles não sabem disso”, diz Benicio, que corre para fazer com que seus compatriotas se cadastrem a tempo para votar.
A data final para isso é a próxima segunda-feira (20), e as eleições locais acontecem em 7 de junho. Benicio concorre numa área de Dublin onde vive a maioria dos brasileiros que moram na cidade. Essa área vai eleger sete conselheiros, e, segundo o ex-motoboy, nem parece tão difícil assim conquistar um dos assentos. “Não sei quantos votos serão necessários, mas há cinco anos, bastaram 1.200”, diz.
A possibilidade de votação para pessoas estrangeiras se resume às eleições locais. Nas gerais, apenas cidadãos irlandeses têm direito ao voto.
Mapeamento realizado pela Embaixada do Brasil em Dublin neste ano, estimou em 58,5 mil o número de brasileiros hoje em situação regular na Irlanda, sendo que cerca de 36 mil moram na capital mais cerca de 3.600 em situação irregular.
Segundo o mesmo relatório, 60% afirmam se sentir em casa na Irlanda, 43% dizem que não pretendem voltar a viver no Brasil, mas 52% disseram já ter sofrido discriminação no ambiente profissional.
Benicio conta a história da filha adolescente de um conhecido que havia pedido ao pai que ele não contasse a ninguém que ela é brasileira. “Ele ficou triste, mas aceitou o pedido da menina. Mas quando o meu episódio saiu no jornal, ela disse ao pai que agora estava contando a todos que era brasileira”, diz.
Atualmente, Benicio passou para o outro lado do balcão. Ele foi convidado por uma das empresas para as quais entregava a trabalhar na administração do negócio. E ele deve continuar nessa função mesmo se eleito, diz, uma vez que considera o salário de político na Irlanda muito baixo.
“O conselheiro recebe 24 mil por ano [R$ 133 mil], ou 2 mil ao mês [R$ 11 mil]. Isso é a metade do que eu ganhava fazendo delivery”, diz Benicio. Nos dias que se seguiram ao salvamento da criança sob ataque, irlandeses desconhecidos criaram uma vaquinha para Benicio. Na ocasião, ele recebeu 366 mil, cerca de R$ 2 milhões, que agora estão aplicados.
E apesar de seu partido ter destinado 13 mil (R$ 72 mil) para sua campanha política, isso não é suficiente para muita coisa, segundo ele. “O dinheiro só chegou para a impressão mesmo. Quem está colando os cartazes nos postes sou eu mesmo.”
IVAN FINOTTI / Folhapress