Regras de crédito emergencial a empresas do RS podem dificultar acesso a recursos

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – As regras das linhas emergenciais de crédito anunciadas pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para empresas do Rio Grande do Sul afetadas pela calamidade pública podem dificultar o acesso aos recursos, que correm o risco de ficar empoçados nos bancos.

Técnicos e empresários veem entraves como o limite único para contratações no Pronampe (voltado para micro e pequenas empresas), a taxa de cobertura de perdas dos fundos garantidores e a concentração das subvenções à taxa de juros nos bancos federais, com menor capilaridade no território gaúcho.

Sem ajustes, o risco é repetir em grande escala as dificuldades já observadas após setembro de 2023, quando houve a primeira grande enchente no Vale do Taquari dos últimos oito meses.

Na ocasião, o governo destinou R$ 200 milhões extras para fundos garantidores de programas emergenciais de crédito às empresas e outros R$ 100 milhões para a subvenção de juros. Menos da metade do potencial de crédito foi contratada, segundo dados do Banco do Brasil e do BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Social).

Um dos principais obstáculos é o desenho do Pronampe. O programa estabelece um limite único de contratação de crédito, proporcional ao faturamento, que pode ser usado em uma ou mais operações. Uma vez esgotado, ele não pode ser renovado.

Na semana passada, o governo anunciou um aporte extraordinário de R$ 4,5 bilhões no FGO (Fundo Garantidor de Operações), que dá suporte ao Pronampe. O montante poderia alavancar até R$ 30 bilhões em novas operações.

Mas técnicos alertam que empresas gaúchas que já tomaram empréstimos do programa, criado durante a pandemia de Covid-19, podem enfrentar dificuldades para acessar a linha novamente —mesmo que o contrato anterior tenha sido quitado.

“No Pronampe há limite de contratação por empresa, que pode ser consumido em uma ou mais contratações, considerando que os agentes financeiros observam as suas políticas de crédito para a concessão dos financiamentos aos seus clientes. Uma vez esgotado esse limite, o cliente não consegue realizar novas operações”, disse o Banco do Brasil, gestor do FGO, em nota à Folha.

O Rio Grande do Sul é o terceiro maior estado em número de operações do programa e o quarto maior em volume. Empresas gaúchas já contrataram R$ 12 bilhões em 187,9 mil operações desde sua criação, em 2020.

Além de flexibilizar o uso do limite de crédito, interlocutores das instituições financeiras defendem a ampliação da cobertura do FGO, que hoje banca 100% das operações em situação de inadimplência, até o limite de 15% da carteira.

Algumas companhias perderam maquinário e estoques nas enchentes e podem levar tempo até conseguirem restabelecer suas atividades. A situação é considerada até mais grave que na pandemia, e a inadimplência pode superar os 15%.

Além disso, a execução da garantia no Pronampe só pode ser feita após 180 dias de atraso. Se a cobertura dada pelo fundo não subir, o risco de perdas pode coibir a oferta de financiamento.

O governo também destinou R$ 1 bilhão para bancar uma parte das taxas de juros no Pronampe, com o objetivo de baratear os custos. No entanto, só terá direito à subvenção quem contratar o crédito com instituições federais oficiais, como BB e Caixa.

A OCB (Organização das Cooperativas Brasileiras) pediu a inclusão dessas entidades. “A restrição dificulta o acesso a esses recursos por pequenos empresários do estado, que precisarão buscar outra instituição, além de criar uma profunda assimetria entre os agentes financeiros.”

Procurado, o Sicredi diz que não foi contemplado nos recursos da equalização e aguarda a publicação de normativos complementares. A instituição afirma que “se utiliza da capilaridade e agilidade das cooperativas para fazer os recursos chegarem aos associados nos municípios atingidos”. O Sicoob não respondeu.

O diretor-executivo da ABDE (Associação Brasileira de Desenvolvimento), André Godoy, lembra que agências de fomento regionais, como Badesul e BRDE (Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul), também poderiam ser um veículo de crédito importante neste momento. “Para os estaduais também seria interessante poder acessar os recursos equalizados, mas acho que [a decisão] foi uma questão operacional”, avalia.

Técnicos da área econômica do governo afirmam que o Tesouro Nacional nunca bancou subvenção para instituições privadas ou cooperativas de crédito, embora elas possam operar os recursos da linha sem os descontos.

Um primeiro precedente foi aberto agora no Pronaf, modalidade de financiamento para agricultores familiares, mas a operacionalização está em construção. Há uma preocupação em estabelecer controles rígidos e evitar desvios, segundo uma fonte da equipe econômica.

O empresário Ângelo Fontana, presidente da Câmara da Indústria, Comércio e Serviços do Vale do Taquari, diz que a decisão do governo “é um erro estratégico”.

“A capilaridade e a influência são mais a cara dos bancos cooperativos. Banco do Brasil e Caixa perderam espaço no estado, nem todos os municípios trabalham com eles”, afirma.

Segundo ele, o Executivo federal tem também o desafio de evitar a pulverização dos recursos para municípios menos impactados pela calamidade, sobretudo num momento em que muitos ainda estão debaixo d’água. “No ano passado, existiu uma distorção. As cidades menos afetadas foram mais ágeis [nas contratações]”, afirma.

As entidades locais estão fazendo, em parceria com o Sebrae, uma espécie de censo dos prejuízos sofridos pelas empresas e suas necessidades, na tentativa de tornar as políticas mais assertivas e evitar dificuldades já experimentadas no passado recente.

Após as enchentes de setembro, foram usadas menos da metade das garantias extras aportadas pelo governo federal no Pronampe e no Peac, outro programa emergencial de crédito que inclui de MEIs (microempreendedores individuais) a médias empresas e não conta com subvenção de juros. As linhas foram batizadas de “Crédito Solidário RS”.

Segundo o BB, a garantia do FGO permitia alavancar até R$ 667 milhões em novas operações, mas só R$ 263,8 bilhões foram contratados (40% do total).

Já o BNDES, gestor do FGI (Fundo Garantidor de Investimentos), usado no Peac, informou que as garantias poderiam sustentar até R$ 1,25 bilhão em financiamentos, e apenas R$ 490,5 milhões foram contratados (40%).

O governo federal ainda precisará fazer ajustes na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2024 para autorizar a concessão de financiamentos para quem está inadimplente.

A dispensa da certidão negativa de débitos chegou a ser anunciada no Palácio do Planalto, mas não pôde ser efetivada por causa de uma trava existente na lei. Será preciso enviar um projeto de lei específico para isso, a ser votado em sessão conjunta do Congresso Nacional.

O Ministério da Fazenda disse que aguarda posicionamento da PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional) sobre o tema.

IDIANA TOMAZELLI / Folhapress

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