SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Ana Marta Teles teve de esperar cinco horas para ser atendida no Hospital da Brasilândia, na sexta-feira (10). Com artrose, ela chegou à unidade de saúde sentindo fortes dores.
Aos 59 anos, tem comorbidades como pressão alta e sobrepeso. As condições não deram a ela o direito ao atendimento preferencial no pronto-socorro, que estava movimentado, com casos suspeitos de dengue e síndromes respiratórias.
Sentada à espera, ela elogiou a estrutura do hospital, mas fez uma ressalva: a falta de médicos é um problema recorrente no local. “Eu gosto muito, sempre que estou com muita dor, venho. Mas falta de médicos sempre teve.”
“Ainda estou com dor, mas já me acostumei a ela”, disse. Ela pediu para ter o nome alterado ao dar o depoimento, pois aguarda na fila para fazer uma cirurgia na unidade e tem medo de sofrer represálias.
Próximo dali, estava, também esperando há cinco horas, Dandara Maria, 18. Sobre suas pernas, a irmã de 8 anos descansava a cabeça, enquanto assistia um filme pelo celular. As duas aguardavam a mãe, que já tinha feito um exame de tomografia, e o resultado indicava pedra no rim.
A mãe, por sua vez, aguardava a chegada do cirurgião para analisar se seria necessário passar por uma cirurgia. “Costumo vir aqui e fica lotado. Uma vez, tive alta de pressão e tinha mais de 60 pessoas na minha frente na triagem. Da última vez falaram que a demora era por um problema no sistema, mas já foi virada de turno de plantão, falta de medicamentos”, relata.
A Secretaria de Saúde de São Paulo afirma que o quadro de profissionais do Hospital Municipal da Brasilândia (HMB) está completo e o hospital não deixa nenhum paciente desassistido.
Quanto à demora no atendimento, o órgão informou que os equipamentos municipais trabalham de acordo com protocolo de classificação de risco Manchester, que prioriza o atendimento médico de acordo com a condição clínica do paciente e sua gravidade. “O tempo de permanência nos equipamentos de saúde pode variar de caso a caso, a depender da demanda diária da unidade e das necessidades terapêuticas de cada paciente”, diz, em nota.
Durante a visita da reportagem, no início da tarde, a triagem estava sem fila. A ala mais cheia era a de pessoas aguardando atendimento médico e exames.
O Hospital Municipal da Brasilândia foi entregue pela prefeitura em 2020 e, por muito tempo, só atendia casos de Covid. Com o arrefecimento dos casos, em 2022, passou a funcionar como hospital geral, recebendo casos de urgência, emergência de clínica médica, pediatria e cirurgias de baixa complexidade.
A unidade fica próxima aos bairros da Brasilândia, Pirituba e Freguesia do Ó, na zona norte de São Paulo. Segundo Kátia Prandini, conselheira de Saúde de Pirituba, é comum que profissionais de saúde se recusem a serem alocados nas unidades de saúde da região, que é gerida pela OSS (organizações sociais de saúde) Associação Saúde em Movimento.
Questionada sobre a demora no atendimento e a falta de médicos no Hospital da Brasilândia, a OSS Associação Saúde em Movimento não respondeu até a publicação desta reportagem.
O modelo de parceria com as organizações sociais de saúde foi adotado em 1998 pelo estado de São Paulo e é utilizado também em outras áreas como cultura e educação. Em São Paulo, as organizações de saúde já foram alvo de investigações por irregularidades em serviços prestados em hospitais e unidades de saúde estaduais. Em 2018, um relatório do TCE (Tribunal de Contas do Estado) apontava problemas como o descumprimento de metas estabelecidas e número insuficiente de médicos.
Em abril, em meio ao aumento recorde dos casos de dengue, a Prefeitura de São Paulo suspendeu a fiscalização das OSS -empresas privadas que gerem unidades públicas de saúde- por 180 dias.
Em 2023, funcionários do hospital reclamaram de atrasos no salário e no recolhimento do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço). O sindicato da Saúde (SinSaúdeSP) entidade apresentou, ainda, denúncias de sobrecarga de trabalho e de falta de insumos e materiais.
Pesquisa feita pelo Datafolha em 2015, a pedido do Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo), indicou que quase um quinto (17%) dos médicos do Estado de São Paulo já sofreu violência no ambiente de trabalho ou conhece algum colega que tenha sido agredido. Na mesma pesquisa, um terço dos pacientes disse ter passado por situações de estresse por demora no atendimento médico.
LUANA LISBOA / Folhapress