RECIFE, PE, E SALVADOR, BA (FOLHAPRESS) – Foram necessários 9 minutos e 47 segundos em uma sessão relâmpago para que a Assembleia Legislativa do Amazonas elegesse sua Mesa Diretora em 12 de abril de 2023, reelegendo o deputado Roberto Cidade (União Brasil) para presidência da Casa no biênio 2025-2026.
A vitória da única chapa aconteceu em uma rápida votação nominal. O prazo para inscrição das chapas foi de uma hora, seguindo o regimento. O tempo foi considerado exíguo pelos deputados novatos, que consideraram o rito apressado e atropelado.
Em ao menos oito estados, Assembleias Legislativas anteciparam as eleições para a escolha da Mesa Diretora e já elegeram os seus respectivos presidentes para o segundo biênio da legislatura, que se encerra apenas em fevereiro de 2027.
A manobra aconteceu em Pernambuco, Paraíba, Piauí, Rio Grande do Norte, Goiás, Amazonas, Tocantins e Roraima, resultando em contestações na esfera judicial. Em seis destes estados, os atuais presidentes das Assembleias foram reeleitos para um novo mandato.
Procurados, os presidentes das Assembleias de Pernambuco, Amazonas e Tocantins não quiseram dar entrevista sobre o assunto.
A jurisprudência do STF (Supremo Tribunal Federal) limita a reeleição nas Assembleias a apenas um novo mandato, independentemente de ser na mesma legislatura. É um cenário diferente do Congresso Nacional, onde os presidentes da Câmara e do Senado podem se reeleger apenas entre legislaturas diferentes.
No caso de antecipação das votações, o assunto não está pacificado no Supremo. Em maio de 2023, o ministro Dias Toffoli anulou, em decisão confirmada por unanimidade pelos demais ministros, uma emenda da Assembleia do Tocantins que liberava as votações para dois biênios distintos no mesmo dia.
A antecipação das votações, inicialmente previstas para fevereiro de 2025, foi de quase dois anos em alguns casos. Os vitoriosos, em geral, são nomes próximos aos governadores ou têm ligação com grupos que comandam os Legislativos estaduais.
Cabe ao presidente do Legislativo pautar votações e escolher nomes para funções importantes, como as relatorias de projetos. As eleições para as Mesas Diretoras envolvem ainda vice-presidências e secretarias que cuidam inclusive das finanças das Assembleias.
No Amazonas, o deputado Roberto Cidade foi reconduzido para a presidência da Assembleia no segundo biênio sob protestos dos deputados recém-eleitos, que se viram apartados da formação das chapas.
A eleição e reeleição de Cidade teve o aval do governador Wilson Lima (União Brasil), que em seu primeiro mandato, de 2019 a 2022, enfrentou crises na Assembleia, incluindo a CPI da Saúde e um processo de impeachment que não prosperou.
Cidade é pré-candidato à Prefeitura de Manaus com o apoio do governador. Caso saia vitorioso nas urnas, a Assembleia viverá um cenário insólito: o presidente eleito para biênio renunciaria ao cargo em janeiro de 2025, um mês antes do início do ano legislativo.
Em Goiás, o deputado Bruno Peixoto (União Brasil), aliado do governador Ronaldo Caiado (União Brasil), foi reeleito antecipadamente para a presidência da Assembleia em maio de 2023. Ele chegou a se lançar como pré-candidato à Prefeitura de Goiânia, mas recuou e vai se manter no comando do Legislativo.
Na Paraíba e no Piauí, a eleição antecipada foi contestada na Justiça pelo PSDB, que ingressou com duas ações diretas de inconstitucionalidade no STF, que ainda não foram julgadas.
A votação para os dois biênios aconteceu no mesmo dia no Piauí, com um acordo entre os maiores partidos da base do governador Rafael Fonteles (PT). Ficou definido que a Assembleia seria comandada pelo deputado Franzé Silva (PT), sucedido em 2025 por Severo Eulálio (MDB).
Na Assembleia Legislativa da Paraíba, o deputado Adriano Galdino (Republicanos) foi eleito e reeleito para a presidência da Casa em votações que aconteceram no mesmo dia. A eleição teve votos favoráveis dos três deputados estaduais do PSDB, que agora contestam a ação movida nacionalmente pela legenda.
“Foi um equívoco. O partido não nos consultou para saber da realidade local”, afirma o presidente estadual do PSDB, Pedro Cunha Lima. O partido entrou com uma petição para desistir da ação no estado.
Caso vá adiante, a ação pode ter repercussões na reeleição antecipada de um nome do próprio partido, o presidente da Assembleia Legislativa Pernambuco, Álvaro Porto (PSDB). Ele está rompido politicamente com a governadora Raquel Lyra (PSDB) e deve deixar a legenda na próxima janela partidária.
Os tucanos pedem que as votações para o segundo biênio da legislatura aconteçam “em data razoável e próxima ao início do terceiro ano da legislatura”. No caso de Pernambuco, a votação aconteceu em novembro de 2023, a contragosto de Raquel Lyra, que terá Álvaro Porto como presidente da Assembleia até o fim do seu mandato.
No Tocantins, a eleição antecipada ainda conta com um imbróglio adicional: o escolhido para presidência no segundo biênio foi o deputado estadual Léo Barbosa (Republicanos), filho do governador Wanderlei Barbosa (Republicanos), a quem caberia fiscalizar o próprio pai.
A escolha foi anulada pelo STF em decisão liminar. O ministro Dias Toffoli destacou que eleição periódica é mecanismo de alternância e evita a perpetuação de grupos políticos por período indeterminado.
“No transcorrer de um mandato, as forças políticas se reorganizam e outras personalidades ou grupos políticos ganham projeção, podendo ascender ao poder pelo voto”, escreveu o ministro.
O STF vai decidir, no plenário físico, no dia 29 de maio, se parentes de primeiro grau podem ocupar a linha sucessória de chefes do Executivo. A relatora, ministra Cármen Lúcia, votou para não ter impedimento durante sessão no plenário virtual. O caso foi para o plenário a pedido do ministro Flávio Dino. A ação foi movida pelo PSB.
Para o advogado Vinicius Rocha, especialista em direito administrativo, a ação sobre o Tocantins pode servir como norte no Judiciário para decisões futuras sobre os outros estados, se o STF for provocado.
“O raciocínio de Toffoli é que, se o Constituinte definiu, para assegurar o máximo de pluralismo político possível, que numa legislatura houvesse dois biênios distintos, é porque as duas votações deveriam aguardar contemporaneidade com a conjuntura política do momento. Esse adiantamento antecipa indevidamente o poder da Mesa Diretora que exerce uma força eleitoral no começo do biênio, que não necessariamente vai exercer ao final do período”, afirma.
Outro debate possível em eventuais julgamentos futuros é se, caso haja inconstitucionalidade em antecipações a longo prazo, as votações já realizadas também seriam anuladas.
Mudanças nas Constituições estaduais para permitir a reeleição e a antecipação da eleição da Mesa Diretora estão no radar das Assembleias de outros estados.
A Bahia aprovou em março uma PEC (proposta de emenda à Constituição) que retomou a reeleição na Assembleia, que havia sido suspensa em 2017. Em São Paulo, deputados discutem uma proposta para liberar a reeleição do atual presidente da Assembleia, André do Prado (PL).
Uma possível antecipação da eleição é debatida em Mato Grosso. O atual presidente da Assembleia, Eduardo Botelho (União Brasil), é pré-candidato à Prefeitura de Cuiabá.
JOSÉ MATHEUS SANTOS E JOÃO PEDRO PITOMBO / Folhapress