Devastada por quatro enchentes, Estrela (RS) tem quarteirões fantasma após água baixar

ESTRELA, RS (FOLHAPRESS) – Devastada por quatro enchentes nos últimos oito meses –setembro e novembro e 1º e 13 de maio deste ano–, Estrela (RS), a 110 km de Porto Alegre, tem muitos quarteirões de vários bairros com as ruas e casas vazias, abandonadas por seus moradores, que estão cansados de ter de recomeçar tudo depois de cada cheia.

Um desses bairros é o Oriental, onde as residências foram deixadas às pressas, logo que as águas do rio Taquari, que banha a cidade, chegaram à soleira de suas portas do início do mês.

Mas elas não pararam aí. Foram subindo, subindo –e de forma rápida– até submergirem as casas de um piso e chegarem acima de parte do telhado daquelas de dois. Segundo estimativas da prefeitura do município, cerca de 75% dos imóveis da cidade foram atingidos em algum nível pela água.

Hoje, em grande parte do bairro Oriental, as casas estão abandonadas, vazias, sujas, semidestruídas. Tem até uma que foi parar em cima de outra, levada pela força da enchente.

Entre os raríssimos moradores que estavam nas suas antigas moradias, alguns procuravam dar uma limpada e organizada para tentar passar o imóvel adiante, por aluguel ou venda.

Outros trabalhavam na limpeza, mas não sabem o que farão no futuro próximo. Sua intenção é abandonar o bairro e até a cidade –se conseguirem. Outros ainda dizem que vão ficar morando no local, por falta de opções.

A microempreendora Marinez Costa, 56, está entre os que não querem saber mais de morar à beira do rio Taquari. Nesta quarta-feira (15), ela tentava “dar uma ajeitadinha” na casa para ver se consegue alugá-la. Ela tem dois pavimentos e uma estrutura em cima do telhado, onde Costa e o marido instalaram dez painéis solares, num investimento de R$ 23 mil. “A enchente chegou até lá e destruiu tudo, assim como o que havia na casa, no caso, móveis, eletrodomésticos e aparelhos eletrônicos”, conta.

Essa, no entanto, não é a primeira vez que o casal enfrenta essa situação. “É a quarta vez que perdemos tudo”, lamenta Costa. “Agora, não dá mais para ficar aqui.”

Mas até a terceira cheia, a maior de todas, no início do mês, ela não pensava assim. Depois que as águas baixaram, ela voltou para casa e começou a limpá-la. Mas então sobreveio a quarta, que, embora menor, ainda assim chegou a um metro dentro do imóvel. Para o casal, foi a última vez.

Para Mara Teresa de Abreu, 58, e o marido Adivasso Regig, 64, esta quarta foi de verificação dos prejuízos e limpeza da casa, e de incertezas quanto ao futuro. A enchente do início do mês chegou até o telhado e destruiu tudo que havia dentro do imóvel. “Essa é a terceira vez”, reclama a mulher. “Estamos trabalhando para o rio. Somos aposentados e compramos tudo com muito sacrifício. Não sabemos o que faremos para comprar tudo de novo.”

Por enquanto, eles estão abrigados numa garagem cedida por um vizinho. Os planos imediatos são limpar a casa e ficar morando nela. “Não temos para onde ir nem condições de pagar aluguel”, diz Abreu. “Depois das enchentes, estão pedindo R$ 2.000, R$ 2.500 até R$ 4.000 por um imóvel pequeno. Os proprietários e imobiliárias se aproveitam da situação. Não temos condições de pagar esses valores. Mas se encontrarmos uma casa segura, longe de rio e com um valor que possamos pagar, nos mudamos na hora.”

Longe de casa, ou melhor, do que era sua casa, localizada em outra parte do bairro Oriental, a funcionária de uma rede de lojas de vestuário, Marcela Pfeifer, 40, vagava pelas ruas procurando, pelos montes de entulho, cordas, cordões ou fios com os quais pudesse amarrar um colchão no teto de seu carro para poder dormir à noite com o marido. “Eu morava de aluguel numa casa de dois pisos”, conta. “A água chegou rápido, pela frente e pelos fundos da casa, e levou tudo. Só deu tempo de tirar o carro.”

Dizer que Pfeifer perdeu tudo não dá o real significado dos prejuízos. Na enchente de setembro de 2023, ela morava em Cruzeiro do Sul e perdeu tudo também. Por isso, se mudou para Estrela em busca de um lugar seguro. “Fazia um mês que eu aluguei essa casa e havia me mudado com meu novo marido e meus dois filhos, uma menina de 14 anos e menino de 5, que eu havia conseguido a guarda recentemente”, diz.

“Para a mudança, mobiliamos toda a casa, como os quartos para as crianças, com todos os móveis novos. A enchente levou tudo. Eu e meu marido dormimos duas noites dentro do carro e hoje pretendemos dormir no teto dele, na casa da avó dos meus filhos.”

O casal Franciele da Gama, 30, e Alessandro Scherner, 48, pais de três filhos, de 11, 8 e 2 anos, e donos de uma empresa de consertos de piscinas, tem uma história parecida com a da maioria dos outros moradores do bairro. A enchente chegou até a caixa d’água em cima do telhado da casa de dois pisos. Eles perderam pelo menos a metade de tudo o que tinham casa, mas não pretendem morar em outro lugar. “O imóvel é nosso, vamos continuar aqui”, diz o marido. “Não temos escolha, o jeito é limpar, mobiliar de novo e seguir em frente.”

Costa, a microempreendedora, dona de dois caminhões de transporte, já sabe o que vai fazer ao desistir de morar na sua casa. “Vou transformar um dos caminhões em um motorhome e vou morar nele”, revela. “Viver aqui é muito cansativo, porque a gente trabalha sem horário certo para descansar e o que conseguimos com o nosso suor a enchente leva tudo em questão de poucas horas. No motorhome, se ocorrer uma cheia no local, mudamos para outro.”

EVANILDO DA SILVEIRA / Folhapress

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