Diques são apostas de cidades na Europa para evitar inundações

LISBOA, PORTUGAL (FOLHAPRESS) – Cercadas pelo oceano ou por rios, diversas localidades da Europa contam com sistemas de barreiras e comportas que permitem controlar o nível das águas para evitar inundações. Embora garantam a sobrevivência de Roterdã, Veneza e outras cidades, os diques demandam altos recursos para construção e manutenção, além de causarem impactos potenciais nos ecossistemas de seu entorno.

Com boa parte do território abaixo do nível do mar, a Holanda é um dos líderes na utilização desses recursos. E convive com todas essas questões.

Os primeiros vestígios de construção de diques rudimentares na região têm mais de 1.500 anos e, hoje, o país soma mais de 18 mil quilômetros construídos. O sistema moderno usado atualmente começou a ganhar forma no século passado, após os estragos de grandes inundações.

“O dique é uma estrutura construída. É uma obra de engenharia que funciona como se fosse uma barragem, mas, em vez de ficar transversal ao curso da água, fica paralelo a ele”, explica Rutineia Tassi, professora do departamento de engenharia sanitária e ambiental da USFM (Universidade Federal de Santa Maria).

“É um barramento, como a gente fala, mas com essa característica de se desenvolver longitudinalmente em relação ao curso da água. A depender da situação, podemos ter diques com vários quilômetros de extensão”, acrescenta.

Os diques têm água apenas de um lado e podem ser construídos como contenção de rios, mares, lagos e outros. Na Holanda, eles servem tanto para manter a seco áreas que estariam normalmente submersas como para fornecer proteção contra inundações causadas por eventos climáticos extremos.

Além de um grande esforço de engenharia, a contenção de grandes volumes de água requer um sistema azeitado de controle dos fluxos hídricos. Por isso, o complexo de diques incorpora ainda bombas que garantem a drenagem e o escoamento adequado, e em tempo hábil, da água.

Tradicionais na paisagem holandesa, os moinhos são, muitas vezes, utilizados para gerar energia que alimenta essas bombas essenciais ao funcionamento do sistema.

Para completar, existe ainda um sistema de monitoramento que informa os níveis de precipitação e detecta oscilações na vazão das águas, permitindo que as autoridades apliquem planos de contenção em caso de necessidade.

O método, contudo, também não é à prova de falhas, e precipitações intensas e rios e mares com volumes acima dos valores projetados ainda podem levar às cheias.

Em 1995, os rios Reno, Meuse e Waal tiveram fluxos extremamente elevados e houve uma grande inundação no país, que forçou mais de 200 mil pessoas a deixarem suas casas.

Além do alto custo de construção, os diques exigem ainda constante monitoramento e manutenção de suas estruturas. Isso serve tanto para detectar falhas estruturais quanto para verificar se as dimensões das obras ainda são suficientes para os fluxos hídricos.

Rutineia Tassi, da UFSM, ressalta que esse é um ponto crítico nessas estruturas. Ela diz que a cidade de Porto Alegre, afetada agora por grandes inundações, conta com quase 68 km de diques, além de um sistema que faz a drenagem das águas no município. Segundo ela, o conjunto de proteção contra enchentes já indicava sinais de atenção em um estudo há mais de 20 anos.

“Esse estudo já indicava naquela ocasião, por exemplo, a necessidade de manutenção permanente do sistema de proteção com certa periodicidade. Era uma questão de bombas [de drenagem] que já estavam subdimensionadas ou problema de funcionamento de comporta sem vedação”, enumera.

Com o aquecimento global, além do aumento do nível dos oceanos, a ocorrência de eventos climáticos extremos, incluindo inundações de grandes proporções, tende a se intensificar, o que obrigará também os sistemas de proteção contra enchentes a se adaptarem à nova realidade.

Divulgado na semana passada, o relatório da Organização Meteorológica Mundial (OMM) para a América Latina e o Caribe revela alterações nos padrões de chuva, com precipitação intensa em curtos intervalos de tempo, em vários pontos da região, incluindo o Brasil.

“Até agora, olhava-se para o passado para projetar as construções do futuro. Por exemplo, no Rio Grande do Sul, boa parte dos projetos foram feitos tendo em conta a cheia histórica de 1941. Vamos ter de repensar como fazemos as obras”, diz Rutineia Tassi.

Segundo ela, as cheias também devem servir como reflexão para a ocupação do espaço urbano, incluindo áreas onde são permitidas construções e instalações de populações.

Outro ponto de atenção em relação aos diques –e quaisquer outras estruturas que afetem os fluxos de rios e mares– são seus possíveis impactos ambientais. Na Europa, grupos ambientalistas chamam a atenção, há vários anos, para os danos aos ecossistemas marinhos, desde pequenos organismos até peixes e outros animais.

As áreas de inundação de rios são ainda ricas em sedimentos, constituindo terrenos férteis. O fim dos fluxos de inundações também pode representar perdas para o retorno dos cursos d’água. “Hoje há uma grande discussão, sobre até que ponto ainda vale a pena a gente ainda investir em estruturas como diques”, conclui Rutineia Tassi, da UFSM.

GIULIANA MIRANDA / Folhapress

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