SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O presidente da Rússia, Vladimir Putin, disse nesta sexta (17) que suas forças querem estabelecer uma zona tampão no norte da região ucraniana de Kharkiv para proteger a população do sul de seu país, e não tomar “neste momento” a capital regional homônima, segunda maior cidade ucraniana.
A frase, de inusual candura quando o assunto são os planos militares da invasão russa, foi dita em uma entrevista coletiva em Harbin, cidade chinesa que visita a convite de Xi Jinping, seu principal aliado.
Há uma semana, os russos lançaram uma ofensiva surpresa pela fronteira norte de Kharkiv, tomando diversas cidades no que é o avanço mais rápido de Putin na guerra desde os primeiros movimentos do conflito, entre fevereiro e março de 2022.
Quando foi reeleito para um quinto mandato, em fevereiro deste ano, o presidente havia prometido criar uma zona ampliando a separação entre os mísseis e artilharia de Kiev no norte do país e regiões como Belgorodo, cuja capital regional passou a ser objeto diário de ataques.
“Isso também é erro deles [ucranianos], porque eles bombardearam e, infelizmente, continuam bombardeando regiões residenciais na região de fronteira, incluindo Belgorodo”, afirmou o russo.
“Civis estão morrendo lá. É óbvio. Eles estão atirando diretamente contra o centro da cidade. E eu disse publicamente que, se isso continuasse, seríamos forçados a criar uma zona de segurança, uma zona tampão. É isso que estamos fazendo”, afirmou, sem ser questionado acerca dos mísseis russos que atingem civis no vizinho.
Quando um repórter perguntou então se não tentaria tomar a capital de 1,3 milhão de habitantes, um alvo militar considerado muito difícil de ser conquistado com as forças disponíveis, afirmou: “Acerca de Kharkiv, não há tais planos no momento”.
A ressalva temporal ambígua, típica de Putin, deixa a interpretação sobre seus desígnios aberta. Por evidente, ele pode apenas os estar disfarçando ao enunciar uma das hipóteses prováveis para o ataque ao norte.
Seja ele sincero ou não, o fato é que Moscou avançou no mínimo 10 km para dentro do território ucraniano em uma região que já havia tomado antes, mas da qual foi expulso em setembro de 2022. Segundo o comandante das Forças Armadas da Ucrânia, Oleksander Sirskii, disse nesta sexta, a frente agora foi ampliada em 70 km.
Ele e o presidente Volodimir Zelenski afirmam que a situação estabilizou-se, mas os combates seguem intensos, drenando os parcos recursos que Kiev tem à disposição neste momento. A Otan (aliança militar liderada pelos EUA) afirma que está em vias de fazer um grande envio de munição aos aliados, após meses de protelação política.
Mesmo que não queira mesmo tentar conquistar Kharkiv, a nova frente pode colocar a cidade ao alcance de sua artilharia, tornando a vida lá um inferno ainda pior –hoje, a capital é alvo constante de mísseis e drones, mais caros e empregados em menor quantidade.
Nesta crise, houve erros táticos de Kiev também, com o estabelecimento de defesas fáceis de transpor muito próximas à fronteira pelos ucranianos, sem camadas adicionais. Isso facilitou a entrada das tropas de Putin. O alargamento da frente de batalha também favoreceu novos ataques ao sul e ao leste da Ucrânia, naquilo que Zelenski chamou de “situação difícil”.
Também na China, Putin colocou em dúvida a legitimidade de Zelenski em assinar um eventual acordo, que ele não disse se seria de paz ou de rendição, com Moscou. O mandato de cinco anos do presidente acaba na segunda (20), mas não houve a eleição prevista para abril passado porque o país está sob lei marcial.
Nessa condição, diz uma legislação ordinária ucraniana, não é possível realizar pleitos. Putin ressaltou que “essa é uma questão para a corte constitucional e o sistema político decidirem”, mas afirmou: “Se chegarmos a assinar documentos, nós devemos assinar tais documentos sobre algo tão crucial com autoridades legítimas”.
Putin, por sua vez, é acusado por Zelenski e seus aliados ocidentais de ter promovido uma eleição farsesca em março passado, já que não havia oposição real. O Kremlin descarta isso como propaganda e lembra que ele teve 87% dos votos.
IGOR GIELOW / Folhapress