Leite vê tentativa de criar gestão paralela, e clima com Lula azeda

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), não chegou a fazer um agradecimento nominal ao presidente Lula (PT) durante o anúncio do pacote de ações federais para enfrentamento da crise no estado.

Na solenidade, ocorrida na quarta-feira (15), em São Leopoldo (RS), Leite enfatizou a superação de divergências ideológicas e afirmou que as necessidades urgentes da população gaúcha serão atendidas com “o maior esforço de seu presidente, de seu governador e de prefeitos”.

A ausência de agradecimento direto a Lula não passou despercebida por integrantes do Palácio do Planalto e foi interpretada como demonstração de contrariedade com a nomeação de Paulo Pimenta para a Secretaria Extraordinária para Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul.

Publicamente, porém, o governador nega incômodo com a indicação de Pimenta.

“Não contem comigo para disputa política, não contem comigo para disputa de vaidades, de egos, é em favor da sociedade. Temos uma população nesse momento que está sofrendo”, afirmou durante apresentação do plano de reconstrução do estado, nesta sexta-feira (17).

“Não temos o direito de permitir que qualquer tipo de diferença ideológica, programática, divisão política ou de aspiração pessoal possa interferir na nossa missão que atender essas pessoas. Vou me reunir em breve, inclusive com o ministro [Pimenta] e vamos atuar para que possamos coordenar essas ações conjuntamente”, concluiu.

Aliados do governador, porém, admitem, sob reserva, que Leite ficou muito incomodado com a designação de um político com pretensões eleitorais no estado. O governador soube pela imprensa da nomeação de Pimenta, como informou a coluna Painel, da Folha de S.Paulo.

Segundo esses aliados, o temor de Leite é que Lula queira criar um governo paralelo no estado, em que os ministros passem a discutir medidas diretamente com Pimenta.

Um integrante da equipe de Leite afirmou que o governo não se opunha à constituição de uma autoridade desde que ela se limitasse ao acompanhamento das ações federais.

Segundo relato, o Ministério da Fazenda já havia apresentado uma proposta segundo a qual caberia ao governo Lula a definição do destino dos recursos oriundos da suspensão do pagamento da dívida do estado com a União.

A Fazenda chegou a elaborar o texto em que o governo Leite se comprometeria a submeter à União a aplicação do dinheiro. Mas Leite não concordou e convenceu Lula de que essa fórmula seria inviável diante da urgência de medidas para reconstrução.

O medo agora é que a secretaria represente nova tentativa de controle dos recursos. O mal-estar poderá se acentuar caso Pimenta indique o ex-prefeito Emanuel Hassen De Jesus, conhecido como Maneco Hassen, para a secretaria-executiva do órgão federal.

O presidente do PSDB, o ex-governador Marconi Perillo (GO), foi um dos porta-vozes dessa insatisfação. “Causou muita estranheza o fato de o presidente ter anunciado a autoridade federal sem ter sequer falado disso com o governador, que é a principal autoridade constitucional no estado”, afirmou.

Perillo disse esperar que essa autoridade apoie a reconstrução do Rio Grande do Sul, “com recursos que precisam ser destinados ao estado”.

“A gente espera que a ajuda seja em forma de transferência gratuita, ou seja, em doação, porque o estado não suporta mais operações de crédito. Então a gente espera que realmente essa autoridade possa ajudar e não atrapalhar”, disse.

Já o ex-governador Aécio Neves (PSDB-MG) afirmou que questionará na Câmara os fundamentos legais para a constituição desse ministério. Na opinião de Aécio, abre-se um precedente perigoso. “É uma intervenção no estado não prevista na Constituição.”

Aécio pergunta se o PT consideraria razoável se o governo Jair Bolsonaro (PL) criasse secretarias extraordinárias nos estados brasileiros para combater a Covid-19.

Para Aécio, o episódio começa com uma indelicadeza de Lula ao instituir a autoridade sem avisar ao governador do Rio Grande do Sul e pode acabar com uma imprudência.

Na cerimônia de quarta, Pimenta posou ao lado de Lula e Leite após o presidente assinar medida provisória que institui o apoio financeiro a famílias desabrigadas. Os três ergueram o documento para fotos.

Na avaliação de um aliado de Leite, esse foi um retrato da politização da crise. Em seu discurso, o governador reafirmou pedido de anistia parcial da dívida do estado com a União e pregou a superação de diferenças políticas.

“Não permitiremos que haja diferença que nos impeça de atender às necessidades urgentes que serão atendidas com maior esforço do seu presidente, do seu governador e dos prefeitos e de cada um daqueles que escolheram a vida pública para servir a esta sociedade”, discursou.

Já o site do Governo do Rio Grande do Sul destacou, do discurso de Lula, a afirmação de que a ação não é um favor. A frase reproduzida foi: “O problema de uma cidade não é apenas dela: é do estado, do governo federal, da nação. O que estamos fazendo não é nenhum favor, pois é uma necessidade ajudar todos”.

CATIA SEABRA / Folhapress

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