SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O Brasil profundo está “in”, o hemisfério norte está “out”. Um passeio pelos ambientes da Casacor, tradicional mostra de arquitetura, design e paisagismo que abre nesta terça-feira, em São Paulo, às vezes se confunde com a visita a uma casa à beira de estrada, uma fazenda ou o lar da vovó.
Na 37ª edição do evento, mais uma vez sediado no Conjunto Nacional, as estrelas são os bancos caipiras, a toalha de mesa kitsch estampada com rosas, as mesinhas de madeira, o tapete e o biombo de vime, as poltronas e sofás com cor de telha. No closet, é obrigatória uma camisa de linho branco pendurada.
Muitas gerações de arquitetos olhavam para o exterior em busca de tendências, diz André Secchin, o diretor geral da Casacor, e desconsideravam os saberes tradicionais e as técnicas regionais do Brasil. “O hemisfério sul traz muita criatividade e calor”, ele afirma, enquanto passeia pelo espaço, acrescentando que os países ricos do norte estão perdendo a posição de centro do mundo.
É um movimento curioso este de, na era da inteligência artificial, valorizar o design popular, feito com o que está à mão, como uma poltrona formada por duas selas de cavalo, que está na sala de estar do ambiente de Gabriel Fernandes, um dos mais originais entre os 70 espaços da mostra.
Parece a valorização tardia de uma riqueza cultural notada de forma pioneira por Lina Bo Bardi, na distante década de 1940. A arquiteta e designer sempre prezou pelos materiais brasileiros no desenho de seus móveis, alertando a todos sobre o valor do interior, como no caso de suas cadeiras feitas com lona de circo, que foram usadas no auditório da primeira sede do Masp, o Museu de Arte de São Paulo.
Mas os tempos são outros e, se o discurso de Brasil profundo que se alastra pelas artes e pelo design é clichê e folclórico, fato é que a valorização do popular resulta numa Casacor com equilíbrio estético em muitos espaços, como o do próprio Gabriel Fernandes, “uma homenagem à casa caipira com toques contemporâneos”, em suas palavras.
Seu morador mistura um sofá modernista de Sérgio Rodrigues na sala com um filtro de barro na cozinha, disposto numa bancada ao lado de um fogão à lenha. Ele também reza aos pés da estátua de uma santa num pequeno oratório, uma alusão às benzedeiras do interior do país.
As obras de arte incluem uma escultura de galho retorcido do contemporâneo Advânio Lessa e um desenho de uma vilinha de Tarsila do Amaral, ambos próximos à uma máquina de costura antiga com um emaranhado de fios vermelhos, instalação da artista Adrianna Eu baseada em sua convivência com a avó.
Rodrigo Avelar, gerente de marketing e projetos culturais da Casacor, diz que uma das preocupações do evento era que as obras de arte fossem integradas de maneira mais natural aos ambientes e saíssem do meramente decorativo. Portanto, há uma profusão de trabalhos de artistas contemporâneos, muitas vezes camuflados, exigindo um olhar mais atento. Não se trata só de quadros nas paredes.
Secchin, o diretor do evento, argumenta que obras de arte devem fazer parte do projeto de uma casa desde o começo. Para isso, ele afirma, é preciso que os arquitetos criem repertório visitando galerias, para sugerir artistas de acordo com as demandas dos clientes.
Não é um acaso, portanto, que a galeria Martins & Montero tenha um espaço no evento, onde destaca a mobília conceitual do estúdio Labinac, a meio caminho entre a arte e o design. Nem que uma grande sala seja ocupada por uma obra monumental de Henrique Oliveira, uma escultura feita com tapumes de construções lembrando fósseis, tipo sítio arqueológico.
Diante da mãe natureza, o ambiente de Leo Shehtman é um alienígena no evento, um túnel do tempo para o final da década de 1990 ou começo dos anos 2000. O sofá preto, a mesa de centro na mesma cor e o tapete listrado em preto e branco dão uma pesada, mas conversam bem com a foto de Marilyn Monroe e uma letra “n” de lata, com ares industriais, colocada no chão.
A vibe urbana, em baixa nesta Casacor, se estende para o loft de 115 metros pensado por José Roberto Moreira do Valle, que ele diz ter criado tendo em mente um jovem executivo solteiro. As bebidas ganham destaque, com um móvel aberto para a sala ostentado uma garrafa de gin e outras de uísque, e um carrinho desenhado pelo próprio arquiteto para servir de bar.
“Ele [seu morador idealizado] é um cara que recebe os amigos em casa. É bonito ter as bebidas como elemento principal. Enfeita e deixa legal o ambiente. Dá uma masculinizada”, afirma Moreira do Valle.
Numa chave completamente diferente, a ADVP Arquitetura pensou em cada detalhe de um loft adaptado para pessoas com deficiência. A bancada da cozinha é mais baixa, e o closet tem no máximo 1,3 metro para o cadeirante ter acesso fácil ao cabideiro e às gavetas.
“O morador não precisa perder estética por conta disso”, diz Vanessa Pasqual, uma das arquitetas responsáveis. “Ele pode ter uma cama de design bacana, como qualquer outra pessoa.”
JOÃO PERASSOLO / Folhapress