“De cinco ficamos dois”, diz gaúcha de Bento Gonçalves que perdeu os pais e tem irmã desaparecida

BENTO GONÇALVES, RS (FOLHAPRESS) – Na manhã de 1º de maio, a representante comercial Marina Cobalchini, 43, acordou em Salvador (BA), onde mora atualmente, com um telefonema do seu irmão, Jhonas, 36. “Ele me ligou chorando e disse: ‘não sobrou nada, vem para cá porque não sobrou nada”, lembra.

Naquela mesma quarta-feira (1) ela desembarcou em sua terra natal, na área rural de Bento Gonçalves, a 120 km de Porto Alegre, ainda na esperança de encontrar sua família com vida.

“As notícias vinham muito desencontradas. Uns falavam ‘vi tua irmã correndo’, ‘teu pai e tua mãe estão bem’, ‘teu pai está no hospital’. Até eu chegar aqui eu não tinha certeza”, relata.

Seus pais, Artêmio, 72, que era conhecido como Neco, e Ivonete, 64, foram encontrados dois dias depois. O corpo dela estava a mais de 200 metros da casa em que morava e o dele, a 2 km, no curso do rio.

Até o momento, 18 dias após os 104 deslizamentos registrados em Bento Gonçalves devido às chuvas, a irmã mais nova de Marina, Natália, ainda não foi encontrada.

“De cinco ficamos dois”, lamenta Marina, antes de falar sobre as buscas. “É uma área muito grande, muita terra, muita lama, muito entulho, muita árvore. Ela pode estar soterrada e também tem a chance de ter descido pelo rio, como foi meu pai, e talvez ter chegado no próximo rio e ter ido”.

Nos mais de 20 minutos de entrevista à Folha, Marina lembrou com carinho dos pais, que eram muito conhecidos no município porque tinham uma grande tenda com venda de produtos da região, mas não resistiu e chorou ao se recordar da irmã.

Natália tinha 27 anos, havia se formado em direito há dois anos e tinha realizado o sonho de conhecer Nova York 15 dias antes do incidente.

“Foi a primeira viagem internacional, era um lugar que ela tinha o sonho de conhecer. Tenho certeza que foi uma despedida, porque foi uma viagem maravilhosa que ela fez”, afirma.

Marina descreve a irmã como “uma menina linda, sonhadora, extremamente vaidosa, uma pessoa feliz, de muitos amigos, estudiosa”. “Ela tinha um futuro lindo pela frente. Era muito batalhadora, muita esforçada, dedicada”.

A irmã mais velha da família Cobalchini lembra da relação que a caçula tinha com a mãe. “A Natália era muito família, muito apegada à minha mãe. Elas eram muito cúmplices. Eu digo que até para morrer elas estavam juntas, porque eram muito, muito ligadas”, recorda.

Os pais de Marina estão entre as 155 mortes registradas pelas enchentes e deslizamentos que atingiram o RS, enquanto a irmã integra a lista de 94 desaparecidos. “A angústia é muito grande. São 18 dias já e nada foi encontrado”.

Jhonas morava na casa ao lado dos pais, que encheu de lama, mas não foi levada pelo deslizamento. Ele não estava no local no dia e tem ido no local das buscas com a irmã.

“Tem dias que a gente não avança porque o tempo não ajuda. Teve dias que praticamente não foi feito nada. Todos os dias a gente está aqui, mas tem vezes que a gente vem, fica um pouco, daqui a pouco volta. Ele agora está envolvido no trabalho da limpeza da casa dele, fez força-tarefa com amigos para limpar”, diz.

Ela conta que sabia das chuvas que se acumulavam na região e, pouco antes do deslizamento, havia perguntado para sua mãe por meio de um aplicativo de mensagens como estava a situação no distrito em que moravam.

Um dia antes, Ivonete mandou um áudio dizendo que estava bem preocupada. Pouco antes de morrer, após a pergunta da filha, respondeu com uma foto. “Perguntei como estavam as coisas e ela só me mandou uma foto da casa com o solo bem encharcado, mas nunca teve deslizamento ali, era muito difícil saber que isso poderia acontecer”

Ela conta que a última pessoa a ver eles foi seu tio. O familiar andava pela região com outro vizinho para ver os deslizamentos que já tinham ocorrido em localidades próximas.

O tio decidiu seguir o caminho e o outro homem retornou para sua casa, que tinha ligação com a residência da família Cobalchini, e foi levado junto pela grande massa de terra que deslizou no local.

O vizinho era Mateus Tansini, outra vítima dos deslizamentos, que foi encontrado depois dos pais de Marina. “Meu tio disse que foi muito rápido, questão de segundos. Foi o último a falar com eles”.

Ela diz que as buscas nos primeiros dias foram feitas preponderantemente por moradores da região. “A gente ia até lá por uma trilha pelo meio do mato, locais arriscados, o tempo estava muito ruim, às vezes alguém de quadriciclo ajudava”, relata.

“Meu pai e minha mãe foram encontrados pelo pessoal da região mesmo. O Mateus foi achado dias depois, já tinham mais bombeiros, mais equipes para ajudar”.

Ela afirma que profissionais de diversos estados estão envolvidos na operação para encontrar sua irmã e agradece pelo empenho de todos.

Marina diz que seu marido e filho ficaram mais de dez dias com ela em Bento Gonçalves, mas tiveram que voltar para Salvador. A representante comercial torce para que o tempo melhore para facilitar as buscas por sua irmã.

“Vieram comigo e retornaram porque não sei quanto tempo ainda vou ficar aqui, vou vendo. Eu sei que vou ter que voltar à minha vida, mas ainda tenho expectativa, esperar que saia o sol, dê uma secada no solo para facilitar os trabalhos”, diz.

MATHEUS TEIXEIRA E PEDRO LADEIRA / Folhapress

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