Livro de Heróis da Pátria está desatualizado há 6 anos por falta de páginas

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O Livro de Heróis e Heroínas da Pátria está desatualizado desde 2018. O documento histórico não tem mais páginas para incluir os 27 nomes aprovados pelo Congresso Nacional e sancionados por presidentes da República nos últimos seis anos.

No documento –um patrimônio cultural tombado– estão os nomes de homens e mulheres considerados fundamentais para a defesa ou a construção do Brasil.

As páginas do livro são de aço. Há oito delas no miolo do manuscrito. Com três registros por folha, na frente e no verso, o documento possui hoje 60 nomes organizados por pessoas ou grupos –Maria Quitéria, Sóror Joana Angélica, Maria Felipa de Oliveira e João das Botas estão juntos em um registro, por terem atuado todos na luta pela Independência do Brasil na Bahia, em 1822 e 1823.

O último nome inscrito no livro é o de Miguel Arraes, que governou Pernambuco por três vezes, foi deposto pela ditadura militar e comandou o PSB até sua morte, em 2005.

De lá para cá, quase 30 novos heróis e heroínas foram reconhecidos pelo Congresso Nacional. A lista inclui a Irmã Dulce, o político Ulysses Guimarães, o músico Luiz Gonzaga e a pediatra e sanitarista Zilda Arns.

A responsabilidade de atualizar o livro é do Governo do Distrito Federal. Uma licitação para a inclusão de dez novas chapas de aço e registro dos nomes deve ser lançada em junho, segundo a Secretaria de Cultura do Distrito Federal.

O livro dos heróis, porém, é tombado e qualquer alteração precisa passar por análise dos órgãos governamentais do DF e do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional).

“É um patrimônio cultural material que foi construído de maneira artesanal pensado para ter as dez páginas (oito páginas, capa e contracapa). Em certo momento, o Congresso Nacional acelerou a aprovação de nomes para inclusão no livro. O que se esperava que durasse muitos anos acabou sendo rapidamente esgotado”, disse à Folha o subsecretário do Patrimônio Cultural do DF, Ramón Rodríguez.

A avalanche de aprovação ocorreu após a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) alterar a lei sobre o reconhecimento de heróis da pátria para reduzir de 50 anos para 10 após a morte o período mínimo para que uma pessoa possa receber o título.

Isso ocorreu em 2015, e o objetivo era conceder a honraria ao político Leonel Brizola, ex-governador e fundador do PDT, morto em 2004.

Depois da mudança na lei, 43 pessoas foram reconhecidas como heróis e heroínas –quase a mesma quantidade (44) dos nomes homenageados com a honraria de 1989 a 2015.

Para incluir as novas páginas, diz Ramón, empresas serão chamadas para apresentar propostas para ampliar o miolo do livro sem alterar significativamente o patrimônio tombado.

“É um serviço muito especializado. É um bem cultural. Temos poucas empresas e artesãos capazes de fazer isso no Brasil.”

O livro dos heróis e heroínas fica no Panteão da Pátria, um dos complexos culturais que compõem a praça dos Três Poderes, em Brasília. O prédio foi projetado por Oscar Niemeyer.

As páginas de aço ficam expostas no terceiro andar do prédio: ambiente amplo e escuro, iluminado pela luz enfraquecida que atravessa um vitral vermelho, roxo e branco e uma lâmpada posicionada sobre o livro.

Qualquer pessoa pode manusear as pesadas páginas de aço.

A existência do livro voltou a ser debatida após o Congresso Nacional avançar na tramitação de uma proposta para reconhecer João Cândido Felisberto, líder da Revolta da Chibata, em 1910, como herói.

O movimento causou revolta na Marinha do Brasil, que vê em João Cândido uma figura que quebrou a disciplina e hierarquia, matou marinheiros contrários ao levante e liderou revolta que causou a morte de duas crianças após um tiro de canhão atingir um cortiço no Rio de Janeiro.

Em seu relatório a favor da inclusão no livro, a deputada Benedita da Silva (PT-RJ) afirmou que a proposta seria uma forma justa e oportuna de homenagear o líder da revolta.

No voto, Benedita cita trechos do livro Enciclopédia Negra, de Flávio dos Santos Gomes, Jaime Lauriano e Lilia Moritz Schwarcz, que reúne personalidades e marcos históricos dos negros no país.

O registro descreve a revolta e suas motivações. O estopim do movimento aconteceu quando o marinheiro Marcelino Rodrigues de Meneses foi condenado a 250 chibatadas. A partir daí, os marujos se organizaram em protesto contra os baixos salários, a ausência de um plano de carreira e, sobretudo, as chicotadas.

“A história de um país se faz também pelo braço daqueles que lutaram para ter seus direitos de cidadania reconhecidos. João Cândido foi um deles. […] Ao aprovarmos esse projeto de lei, estaremos reconhecendo que a história deve ser plural e inclusiva”, escreveu Benedita.

O comandante da Marinha, Marcos Sampaio Olsen, porém, enviou uma carta a parlamentares para dizer que o marinheiro não representava os valores de heroísmo e patriotismo.

“Incluir, no Livro de Heróis da Pátria, João Cândido Felisberto ou qualquer outro participante daquela deplorável página da história nacional, quando o patrimônio público foi destruído e o sangue de brasileiros inocentes derramado, seria o mesmo que transmitir à sociedade e, em particular, aos militares de hoje, a mensagem de que é lícito recorrer às armas que lhes foram confiadas para reivindicar suposto direito individual ou de classe”, diz a mensagem.

Dias depois, em 29 de abril, Olsen disse ter se baseado em fatos para criticar o projeto de lei, e que sua manifestação não se trata de racismo ou discriminação contra João Cândido.

Benedita da Silva disse que pretende pleitear uma audiência com o comandante para tratar da questão.

Hoje, João Cândido já é reconhecido como herói estadual no Rio de Janeiro, e municipal em São João do Meriti, na Baixada Fluminense, onde morou a maioria da vida, e, desde agosto deste ano, em Encruzilhada do Sul (RS), sua terra natal.

CÉZAR FEITOZA E MARIANA BRASIL / Folhapress

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