Como Josef Koudelka, eterno andarilho, fotografou a invasão soviética de Praga

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Por que essa foto é interessante para você?”, pergunta Josef Koudelka, invertendo a relação entre repórter e entrevistado. Ele aponta para um cão negro que vagueia por uma estrada branca, gélida e solitária, um de seus cliques mais famosos. “Muitas pessoas me dizem que se identificam com o cachorro”, ele responde. “Se a foto é boa, diferentes pessoas conseguem vê-la de diferentes formas.”

A imagem é a capa de “Exiles”, série que fez enquanto viajava pela Europa após deixar a Checoslováquia, onde hoje fica a República Tcheca. Nela, registrou tudo e todos que, de alguma forma, pareciam deslocados do ambiente que ocupavam —exilados como ele, fugido de seu país após a invasão soviética.

Antes de migrar, porém, Koudelka fotografou o exato momento da tomada de Praga pelos soviéticos. As fotos creditadas a “P.P.” —”Praga Photographer”, ou fotógrafo de Praga, para protegê-lo da repressão— rodariam o mundo pela agência Magnum, estampadas em jornais e revistas como um relato vivo das tensões que assolariam a segunda metade do século 20, marcando para sempre a história da fotografia.

Agora todas elas são expostas, de forma inédita no Brasil, junto às séries “Exiles” e “Ciganos”, no IMS, o Instituto Moreira Salles, em São Paulo. As ampliações são o resultado de anos de testes para alcançar a melhor impressão possível, diz Jonathan Roquemore, diretor da Fundação Koudelka, guardiã do acervo do fotógrafo.

Meticuloso, Koudelka seguiu trabalhando em suas fotos décadas depois de tirá-las. Enquanto era jovem e enérgico, queria seguir vagando de país em país, acompanhado de uma muda de roupa e a câmera. Não podia perder tempo. Sua regra era não ficar mais de três semanas no mesmo lugar, para evitar de se estabelecer e perder o frescor no olhar de quem vê algo pela primeira vez.

“O comunismo garantia liberdade em escolher o que fazer, porque não havia benefício econômico em fazer uma coisa ou outra. O exilio deu a ele outro tipo de liberdade, de poder ir para onde quisesse”, diz Roquemore. Com o tempo, a receita de Koudelka para seguir na estrada, quase como um andarilho, era tirar o máximo de si e dos outros e parar quando percebesse que não podia mais avançar.

Agora, aos 86 anos, ele percorre sua exposição em uma cadeira de rodas após passar muito tempo de pé com a bengala. “Eu sabia que não precisava de muito para funcionar. Apenas um pouco de comida e uma boa noite de sono. Aprendi a dormir em qualquer lugar e sob qualquer circunstância”, conta.

Certa vez, um grande amigo o alertou para que não perdesse o seu olhar. Era Henri Cartier-Bresson. “Nasci como uma pessoa visual”, ele diz, após uma longa pausa. “Reajo ao mundo com os olhos. Mas, se você tem algo, pode perder isso. Resumindo, você pode trocar [o olhar] por dinheiro. Minha regra era não fazer isso.”

Por isso, nunca aceitou trabalhos encomendados, para garantir sua independência e a possibilidade de abandonar o que estava fotografando caso não visse mais sentido. “Ele sempre fotografou o que queria. Era pessoal, de certa forma”, diz Roquemore.

Mas os observadores não deixaram de se conectar com sua obra. Pelo contrário. Roquemore, que trabalha com Koudelka há 20 anos, lembra que certa vez o fotógrafo foi abordado por um cigano na rua. “‘Eu sei quem você é! Você é Ikonar’, disse, e pediu que Josef o seguisse. Ele o levou a uma espécie de santuário que sua comunidade havia feito, apenas com fotos que ele havia feito de ciganos, como uma forma de manter viva a lembrança de parentes e amigos”, conta. “Ikonar”, em romani, significa “criador de ícones.”

Kouldenka não sabe explicar por que decidiu se dedicar a fotografar ciganos em sua juventude, ao mesmo tempo em que fotografava peças de teatro —no palco junto aos atores, enquanto eles encenavam, como se fosse um deles.

Mas os dois ambientes eram parecidos. A diferença, segundo ele, é que no caso dos ciganos a peça não foi escrita e não tinha diretor. Era a vida real, um outro tipo de teatro. Em termos práticos, foi fazendo cliques de peças que ele aprendeu a usar a luz escassa a seu favor.

A série “Ciganos”, porém, foi possível graças à aquisição de uma das primeiras lentes grandes angulares que chegaram na Checoslováquia, de 25 milímetros. Mesmo fotografando no interior das pequenas casas, onde os ciganos viviam, ele conseguia capturar tudo que importava.

Quando os soviéticos chegaram a Praga, Koudelka mudou a rota ao sair de casa pela manhã. Agarrou a câmera para registrar os enormes tanques que entravam na cidade. Ele acredita que sua ligação com o que estava acontecendo —afinal, era sua casa— tornaram as fotos mais especiais do que a as de outros fotógrafos.

Mas ele nunca foi fotojornalista, frisa. “Eu nunca contei histórias”, diz, antes de pausar para retomar o fôlego. “Eu queria tirar uma única foto que contasse várias histórias para pessoas diferentes.”

ALESSANDRA MONTERASTELLI / Folhapress

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