SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Os resultados financeiros registrados pelos planos de saúde em 2023 apresentaram alguma melhora, porém, por trás do aparente alívio, a queda de braço com os hospitais e fornecedores de materiais está cada vez pior.
Relatos de dificuldade para receber pelos serviços prestados por hospitais e pelos produtos de saúde vendidos por fornecedores, que já atingiam cifras bilionárias no ano passado, subiram de patamar, segundo representantes do setor.
De acordo com levantamento realizado pela Anahp (Associação Nacional de Hospitais Privados), os valores em aberto, que variavam de 10% a 15% das receitas brutas entre os anos de 2021 a 2023, devem disparar em 2024. Só no primeiro trimestre, a parcela da receita a faturar já se aproxima de 30%.
O principal motivo do atraso são as chamadas glosas, uma prática comum no setor, que ocorre quando as operadoras fazem algum questionamento ou pedem mais detalhes sobre as cobranças antes de efetuar o pagamento. A parcela de faturas glosadas, que historicamente girava em torno de 3,5% da receita bruta no passado, se aproximou de 12%, superando os R$ 4,7 bilhões em 2023. O levantamento anterior apontou incidência de 9%.
Ainda segundo a Anahp, do total glosado, a maior parte dos valores acaba sendo reconhecida como glosa indevida ao final das negociações entre os planos de saúde e os hospitais.
Há outros motivos que preocupam, embora menores em volume de recursos, como os descontos que os hospitais tiveram de conceder sobre as notas fiscais para as operadoras, que chegaram a quase R$ 160 milhões no ano passado ante R$ 127 milhões no ano anterior.
Os hospitais também relatam exigência para expansão de prazos e outros obstáculos, como a imposição de uma data única para a apresentação de todas as faturas geradas em um mês.
Segundo a Anahp, as instituições também têm percebido o crescimento de uma intensa política de descredenciamentos parciais de seus serviços por parte das operadoras, um método que não chamava atenção no passado, mas ganhou relevância nos últimos meses. Cerca de 60% das instituições afirmam que sofreram algum tipo de descredenciamento.
Em relatório sobre os dados, a Anahp afirma que todos os elos da cadeia da saúde suplementar estão sendo afetados pelas transformações que o mercado vem sofrendo, desde os próprios planos até as empresas contratantes deles, além dos hospitais, da medicina diagnóstica e dos fornecedores de materiais.
“Vive-se um desajuste estrutural, no qual os custos pela assistência à saúde não são mais suportados pela cadeia como um todo. Reclamam as empresas contratantes dos planos, que não estão conseguindo acompanhar os custos. Reclamam as operadoras. O sistema enfrenta ineficiência e desperdícios, incorporação de alta tecnologia e fraudes. Reclamam os prestadores de serviço, em particular os hospitais e o segmento de medicina diagnóstica, cujos fluxos de caixa foram transformados pelas operadoras em fonte para a cobertura das dificuldades por elas sofridas”, diz a Anahp.
Os fornecedores, que comercializam produtos como próteses, válvulas cardíacas e outros materiais especiais usados em tratamentos e cirurgias, também se queixam da dificuldade de recebimento.
Segundo levantamento da Abraidi (Associação Brasileira de Importadores e Distribuidores de Produtos para Saúde), realizado com cerca de 300 associados, os valores de pagamentos retidos pelos planos dispararam em um ano.
A pesquisa de 2023 apontava cerca de R$ 1 bilhão em vendas cujas notas fiscais não podiam ser emitidas pelos fornecedores, mesmo após a realização de procedimentos previamente autorizados, mantendo a transação sem registro oficial por um longo período. No levantamento divulgado neste ano, esse número subiu para R$ 2,3 bilhões.
Para Sérgio Rocha, presidente da Abraidi, os distribuidores e fornecedores estão sendo vítimas de abuso de poder econômico porque são o elo mais pulverizado da cadeia, formado principalmente por empresas de menor porte, com capacidade de barganha reduzida.
“Quando eu tenho que fazer o faturamento contra o hospital, ele vai fazer esse faturamento contra o plano. Mas se o plano não o autoriza, ele não me autoriza e vira um círculo, porque o hospital está passando pela mesma dificuldade. Todos os planos fazem a mesma coisa. O mercado adotou essa fórmula, e é assim que funciona agora. Se eles seguram o nosso faturamento, o fluxo de caixa deles cresce”, diz Rocha.
Além deste montante pendente de fatura, a Abraidi diz ter mais aproximadamente R$ 1,5 bilhão em pagamentos que já deveriam ter sido recebidos mas estão pendurados por glosas e inadimplência.
Marcos Novais, superintendente da Abramge (Associação Brasileira de Planos de Saúde) diz que, embora os números tenham melhorado, o setor ainda vive uma crise financeira e os beneficiários já não suportam novos ajustes nos preços. Ele nega que os planos estejam alongando os prazos de faturamento para beneficiar seus caixas e diz que subiu o volume de provisões para tratar deste problema. Segundo Novais, alguns hospitais trabalham sem padronização e protocolo, o que gera mais glosas e discussões sobre as contas.
No ano passado, segundo a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), o prejuízo operacional foi de R$ 5,9 bilhões em 2023, mais brando do que os cerca de R$ 11 bilhões negativos registrados em 2022. “Está melhorando porque estamos fazendo ajuste de gestão, sistema, despesas, mas também um ajuste que não é fácil. O que os hospitais e representantes de dispositivos médicos têm de entender é que o beneficiário é quem paga a conta. Vamos olhar quem está pagando a conta, ver a dificuldade dele e tentar equalizar isso tudo”, diz Novais.
Para Antônio Britto, diretor da Anahp, é preciso repensar o sistema de saúde suplementar, investindo em prevenção, para reduzir os custos e contornar o encarecimento dos planos de saúde.
“Não há saída com a tentativa de transferência do problema de um segmento para o outro. Os planos ficaram muito caros. Há uma série de medidas que podem ser adotadas, mas nenhuma delas vai dar resultado no mês que vem. No Brasil, ao contrário de outros países, o acesso tem sido feito quase que diretamente no hospital, que é mais caro do que médico de família, um posto ou uma clínica. Há várias alternativas como a telemedicina”, diz Britto.
JOANA CUNHA / Folhapress