SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS) – Monica Seles tinha apenas 19 anos e ocupava o primeiro lugar no ranking de tênis feminino quando foi esfaqueada durante um jogo da Citizen Cup, torneio realizado em Hamburgo, na Alemanha, em abril de 1993.
A atleta disputava as quartas de final contra a búlgara Maggie Maleeva e ganhava o segundo set por 4-3, depois de já ter garantido o primeiro. Ela descansava no banco durante um dos intervalos da partida quando o crime aconteceu: um homem golpeou as costas da jovem com uma faca de cozinha.
O criminoso se inclinou por cima da cerca de menos de um metro de altura que separava o público da quadra, e acertou Seles.
A tenista, que estava de costas para a arquibancada, soltou um grito. Ela andou cambaleando até o meio da quadra, enquanto 6 mil pessoas assistiam. O criminoso tinha deixado um corte de 1,5 cm de profundidade entre os ombros da atleta, nascida sérvia e naturalizada norte-americana.
“Ninguém viu ele vindo. Era uma faca de cozinha, do tipo que você usa para cortar carne. Era bem afiada”, afirmou o árbitro Stefan Voss à BBC.
RESPONSÁVEL ERA OBCECADO POR RIVAL DE SELES
Logo depois do ataque, a mídia esportiva começou a especular qual seria a motivação por trás do ataque. Uma possível ligação com a origem de Seles, nascida na Iugoslávia, foi levantada. Na época, o país vivia uma grande batalha étnica que terminou em sua desintegração.
Mas, apesar do boato, a polícia logo afirmou que o suspeito, um homem alemão de 38 anos, seria um fã da maior rival de Seles, Steffi Graf, segundo sites como BBC e ESPN.
Gunter Parche teria admitido que queria evitar que Seles continuasse jogando em alto nível, para que assim Graf, também alemã, voltasse ao top 1 no ranking. À época, as duas tenistas se dividiam na elite do tênis feminino.
Parche ainda tentou dar um segundo golpe em Seles, mas foi contido por torcedores e seguranças.
A facada entre os ombros da tenista não atingiu nenhum órgão vital, mas ela descreveu em sua biografia, “Getting a Grip”, que até mesmo andar se tornou uma “tortura”.
“Eu só não tinha vontade. (…) Existia um problema que exame algum podia diagnosticar, a escuridão tomou conta da minha cabeça. Não importava como eu analisava a situação, eu não conseguia encontrar um lado positivo”, disse.
Seles ainda sofreu outros dois golpes: seu pai foi diagnosticado com câncer pouco depois do caso em Hamburgo não resistindo à doença em maio de 1998 e seu algoz, Parche, foi inocentado das acusações de tentativa de homicídio.
O primeiro julgamento aconteceu cinco meses depois do crime. Apesar da confissão do acusado e das centenas de testemunhas, ele foi considerado culpado apenas de um crime semelhante a lesão corporal.
O laudo de um psiquiatra que questionou a capacidade mental do alemão, assim como a confissão do réu e sua “demonstração de remorso”, foi levado em conta.
Monica não compareceu ao julgamento, enviando apenas uma carta para representá-la. “Eu só quero justiça. Esse ataque causou um dano irreparável à minha vida e parou minha carreira. Ele não foi bem sucedido na tentativa de me matar, mas destruiu a minha vida.”
Dezenove meses depois, um novo júri manteve a decisão do primeiro, afirmando que a negativa da tenista em testemunhar em tribunal era um fator determinante para a decisão. Depois de seis meses preso, o réu recebeu uma sentença de dois anos em liberdade condicional.
A WTA (Associação de Tênis Feminino), órgão regulador da categoria, condenou a postura da Justiça alemã, afirmando que a decisão passava “uma péssima mensagem”.
Parche viveu os últimos 14 anos de sua vida em uma casa de repouso. Ele morreu aos 68 anos, em 2022, de causas não divulgadas, de acordo com o jornal Bild.
SELES FICOU 28 MESES AFASTADA
Os danos físicos exigiam quatro semanas de recuperação, mas os problemas psicológicos de Seles acabaram afastando-a das quadras por 28 meses.
Ao longo da carreira, ela ganhou nove Grand Slams, mas oito deles foram conquistados antes do ataque, ao longo dos quatro primeiros anos da norte-americana como profissional.
Seles ganhou pelo menos uma edição de três dos quatro maiores torneios do circuito. Foram quatro Opens da Austrália, três Roland Garros e dois US Open. Em Wimbledon, na Inglaterra, ela chegou à final em 1992 perdendo, exatamente, para Graf.
Um título na Austrália, em 1996, foi o único após sua volta às quadras, que aconteceu um ano antes.
Eu não consigo dizer que as coisas acontecem como devem acontecer. Quando eu olho pra trás, eu tenho certeza que a minha carreira teria sido diferente caso eu não tivesse sido esfaqueada. E eu vou sempre me perguntar porque eu sou a única com quem isso aconteceu, em toda história. Monica Seles ao jornal Chicago Tribune, em 2004
Com o passar dos anos, Seles, que nesta terça-feira (21) tem 50 anos, começou a negar entrevistas sobre a história que viveu na Alemanha, segundo jornalistas como Melissa Isaacson, da ESPN, que já tinha falado com a ex-atleta sobre o assunto e recebeu um “não” de seu assessor.
Já Steffi Graf, a maior rival de Seles nas quadras, encerrou a carreira com 22 Grand Slams, tornando-se a segunda maior vencedora da história. Ela venceu 11 torneios antes do incidente de Seles.
Em 1995, a alemã falou ao programa “60 minutes”, da Austrália, que demorou meses para conseguir processar o que aconteceu em Hamburgo.
Foi um período difícil para mim. Levou mais ou menos sete, oito meses para que eu superasse. Me machucava falar sobre isso, sabendo que aquela pessoa (Gunter) fez isso ‘por mim’. Eu acho que é difícil dizer que eu me culpo, porque eu sei que não fiz isso, mas eu senti como se eu tivesse sido a razão e me senti muito mal. Steffi Graf
Redação / Folhapress