MANAUS, AM (FOLHAPRESS) – A Petrobras decidiu esconder o contrato de compra de créditos de carbono gerados por projeto cuja área, na Amazônia, teve desmatamento crescente.
Para manter em segredo o preço que pagou, a estatal usou o argumento de que os créditos são “indissociáveis” de um combustível lançado pela empresa como a “primeira gasolina carbono neutro do país”.
Em setembro de 2023, a estatal comunicou ao mercado que comprou 175 mil créditos de carbono do empreendimento Envira Amazônia, que fica no Acre, a 40 km de Feijó. Com esses créditos, gerados a partir de um projeto de manutenção da floresta em pé, a Petrobras vende uma gasolina que alega ser carbono neutro, ou seja, as emissões seriam compensadas pelo carbono retido no Acre.
Reportagem publicada pela Folha de S.Paulo em 13 de setembro mostrou que houve desmatamento de floresta na área referente ao projeto; que a base usada para o cálculo dos créditos foi considerada “não plausível”; e que há contestação quanto à propriedade do terreno por famílias de seringueiros que vivem há gerações na área.
Uma segunda reportagem, publicada em 18 de dezembro de 2023, mostrou que o desmate passou a aumentar a partir do quinto ano de implementação da iniciativa, chegou ao ápice em 2020 e voltou a crescer em 2022.
A Petrobras sempre negou informar o valor que pagou pelos créditos de carbono. “Em função das dinâmicas de mercado, essa informação não será divulgada”, afirmou em setembro.
Por meio da LAI (Lei de Acesso à Informação), a reportagem pediu uma cópia do contrato à estatal. A empresa negou o acesso no pedido inicial e em dois recursos. Em um terceiro recurso, a CGU (Controladoria-Geral da União) também negou acesso ao contrato.
Para a decisão, a CGU ouviu a Petrobras a respeito do segredo imposto aos termos contratuais da compra de créditos de carbono, a primeira feita pela estatal.
“A aquisição de créditos de carbono foi feita pela Petrobras para compensar a emissão de gases de efeito estufa durante o ciclo de vida da gasolina Petrobras Podium carbono neutro, lançado em setembro de 2023”, disse a estatal à CGU.
“A compensação da emissão é feita através da aposentadoria de créditos de carbono adquiridos, sendo estes indissociáveis da sua comercialização, adquirindo o papel de um verdadeiro insumo, sem o qual a nova gasolina Podium não poderá ser vendida”, completou a empresa.
A vinculação dos créditos de carbono à venda de um tipo de gasolina “agrega valor ao produto”, conforme a Petrobras. “O contrato possui cláusulas próprias, que se diferem das cláusulas dos contratos padrões de bens e serviços da Petrobras, uma vez que contemplam condições comerciais, penalidades, obrigações próprias que foram definidas considerando o contexto da negociação.”
A empresa afirmou ainda que divulgar os termos do contrato pode impactar a compra de novos lotes de créditos de carbono, “dada a relevância do volume de créditos que a Petrobras adquire em um mercado que ainda é iniciante e não regulado no país”.
A CGU concordou com as alegações da Petrobras e negou acesso às informações, em decisão tomada no último dia 17. As informações são sensíveis e a divulgação dos termos contratuais levaria prejuízo a estratégias comerciais da estatal, afirmou o órgão na decisão.
O Envira Amazônia foi desenvolvido pela CarbonCo, com sede nos Estados Unidos, e JR Agropecuária e Empreendimentos, de Rio Branco (AC).
As duas empresas não responderam aos questionamentos da reportagem sobre o preço pago pela Petrobras e sobre desmatamento na área do projeto, base não plausível para cálculos dos créditos e disputa fundiária.
A propriedade apontada como privada tem 200 mil hectares, dos quais 39,3 mil hectares são destinados à iniciativa -manter a floresta em pé, em vez de desmatá-la para a constituição de uma fazenda e, assim, gerar os créditos de carbono como os comprados pela Petrobras.
Segundo a estatal, os 175 mil créditos adquiridos equivalem a 175 mil toneladas de CO2 que seriam evitadas e a uma alegada preservação de 570 hectares de floresta.
A geração de crédito de carbono ocorre a partir de atividades que evitem desmatamento e degradação da floresta. O instrumento que permite isso é o REDD+, desenvolvido no âmbito da Convenção da ONU sobre Mudança do Clima. Os créditos gerados são vendidos a empresas que precisam compensar suas próprias emissões de gases de efeito estufa.
A Petrobras confirmou a ocorrência de desmatamento na área usada para o projeto. Segundo afirmado pela estatal em setembro, o projeto reportou um desmate de 464,8 hectares, “aproximadamente 1%”, desde o início do empreendimento.
Conforme dados do Prodes (Programa de Monitoramento da Floresta Amazônica Brasileira por Satélite) do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), sistematizados pelo Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), o desmatamento na área do projeto no Acre foi de 6,8 hectares em 2011 e de 16,5 hectares em 2012, ano em que teve início o empreendimento.
Em 2017, houve desmate de 23,3 hectares. A perda de vegetação seguiu superior aos anos anteriores do projeto em 2018, 2019 e 2020, ano em que atingiu 106,5 hectares. O desmatamento em 2021 e em 2022 foi de 53,7 hectares e 61,4 hectares, respectivamente, segundo os dados sistematizados pelo Ipam.
A Petrobras afirmou que o projeto mantém a floresta em pé, especialmente nos 20% fora da área de reserva legal. “O projeto de fato protege toda a área”, disse.
Segundo a estatal, a área está na região do arco do desmatamento e há risco real de perda de vegetação. Os créditos foram emitidos em 2019, 2020 e 2021, conforme a empresa. “Todas as características e certificações aumentam o preço, mas asseguram maior qualidade e integridade.”
A estatal disse ter exigido os mais elevados padrões de certificação, diante dos “diversos questionamentos acerca da qualidade e integridade dos créditos” no mercado voluntário de carbono. “Essa insegurança é um dos motivos pelos quais esse mercado ainda não atingiu todo o seu potencial.”
VINICIUS SASSINE / Folhapress