SÃO CARLOS, SP (FOLHAPRESS) – Lagos localizados em mais de uma centena de países devem ser palco de um grande experimento de ciência cidadã neste 22 de maio, Dia Internacional da Biodiversidade.
Coordenados por pesquisadores da Suíça, voluntários vão coletar água lacustre e mandar para análise o DNA que estiver boiando nela, com o objetivo de identificar o máximo possível de espécies presentes no lago ou nas regiões vizinhas.
Batizado de “LeDNA” (sigla inglesa de “DNA ambiental lacustre”), a iniciativa capitaneada pela Instituto Federal de Tecnologia Suíço, em Zurique, pode se tornar a maior coleta do tipo feita num ambiente aquático num único dia, segundo o site da revista científica Nature.
Se tudo der certo, o trabalho colaborativo trará um retrato mais amplo da biodiversidade global do que aquele que é possível obter por meios mais tradicionais.
Isso porque o chamado DNA ambiental tem se mostrado uma ferramenta muito útil para flagrar a presença de espécies discretas, complicadas de coletar ou raras, as quais muito provavelmente não seriam capturadas diretamente nem apareceriam nas chamadas armadilhas fotográficas (câmeras acionadas por movimento).
Mesmo criaturas que são artistas da fuga, no entanto, descamam, soltam pelos e deixam cair urina e fezes no chão. Tudo isso é fonte de grandes quantidades de material genético para o ambiente, e as técnicas mais recentes de análise de DNA são capazes de identificar com bom grau de precisão fragmentos do genoma de uma ampla gama de espécies, graças ao crescimento cada vez maior de “bibliotecas virtuais” contendo esses dados.
Num trabalho publicado em 2021, por exemplo, cientistas ligados à Unesp (Universidade Estadual Paulista) de Rio Claro e à UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) chegaram até a identificar DNA de um anfíbio que não era coletado desde 1968 a partir de amostras de água da mata atlântica e do cerrado.
Como o material genético é transportado pelo vento, pela chuva e por outros processos naturais, a ideia é que o eDNA (DNA ambiental) encontrado num lago possa trazer informações sobre toda a região circunvizinha, não apenas sobre as espécies que vivem diretamente naquela água.
O objetivo da equipe de Zurique é obter amostras de um total de cerca de 800 lagos mundo afora.
“Ao envolvermos cidadãos no trabalho, nós não apenas aumentamos a abrangência geográfica da amostragem como também estimulamos uma sensação de participação pública e consciência em relação aos problemas da biodiversidade global”, afirmou à Nature a pesquisadora portuguesa Cátia Lúcio Pereira, coordenadora do projeto na instituição suíça.
Segundo Pereira, os participantes receberão recipientes de coleta padronizados e foram treinados para seguir detalhadamente o mesmo protocolo em todos os locais, o que deve aumentar a confiabilidade dos dados. Alcançar a padronização necessária também costuma ser mais fácil com amostras de água do que com outros procedimentos, segundo ela.
Embora a ideia seja priorizar a coleta nesta quarta (22), os voluntários terão um intervalo de até duas semanas para realizarem o procedimento e ainda assim incluírem seus dados na pesquisa global. Poderão ainda usar os dados em suas próprias pesquisas, caso sejam cientistas ou colaborem com outros grupos, ou ser incluídos nas publicações científicas da equipe do projeto LeDNA.
A equipe suíça, depois de receber as amostras, vai levá-las para uma “sala limpa”, com estrutura especialmente pensada para minimizar a contaminação por DNA “local” (já que pessoas também soltam seu material genético ambiente o tempo todo).
REINALDO JOSÉ LOPES / Folhapress