PARATY, RJ (FOLHAPRESS) – Menos de dois anos após a morte de Erasmo Carlos, o Tremendão é homenageado com uma série de relançamentos e com um álbum de músicas inéditas. Quando morreu, em novembro de 2022, aos 81 anos, Erasmo estava trabalhando com o diretor artístico Marcus Preto em um novo disco. Chegou a completar três faixas, mas sua morte deixou o disco inacabado.
Marcus Preto, o produtor Pupillo Oliveira e o filho de Erasmo, Léo Esteves, completaram o disco usando anotações e versos que Erasmo guardava em cadernos. Esse material serviu de base para que compositores como Tim Bernardes, Nando Reis, Roberta Campos e Arnaldo Antunes finalizassem as canções, gravadas por Xênia França, Emicida, Chico Chico, Russo Passapusso e o próprio Tim Bernardes.
O disco, chamado “Erasmo Esteves”, acaba de sair pela Som Livre. “Esses cadernos do meu pai eram meio bagunçados”, conta Léo Esteves, que há mais de 30 anos cuida com carinho e dedicação da obra do pai. “Ele escrevia versos e cartas para minha mãe [Narinha], mas no meio ele também anotava listas de compras, essas coisas.”
Para fãs da obra de Erasmo, a Som Livre acaba de relançar, no Youtube, uma série de seis LPs e seis compactos, que abrangem a carreira do artista durante o período da Jovem Guarda. Os discos são “A Pescaria” (1965), “Você me Acende” (1966), “Erasmo Carlos” (1967), “O Tremendão” (1967), “Erasmo Carlos” (1968) e “Erasmo Carlos e os Tremendões” (1969).
Os LPs foram originalmente lançados pela RGE, selo que depois foi comprada pela gravadora Som Livre, fundada em 1969 pelo executivo João Araújo, pai de Cazuza, para ser o braço discográfico da TV Globo e lançar as trilhas das novelas da emissora em 2021, a emissora vendeu a Som Livre para a Sony Music.
Esses discos são importantes não só porque registram a época de Erasmo na Jovem Guarda, mas também por demonstrarem, se ouvidos cronologicamente, o gradual descolamento dele do som escapista e até ingênuo do movimento, em direção a uma música mais complexa e multifacetada. É óbvio, comparando “A Pescaria” com “Erasmo Carlos e os Tremendões”, que o cantor estava decidido a mudar de rumos.
“Meu pai sempre dizia que Erasmo Carlos e os Tremendões era o disco mais importante da carreira dele”, diz Léo Esteves. “Foi um disco marcante. Ele estava se mudando de São Paulo para o Rio [o programa da Jovem Guarda era filmado nos estúdios da TV Record, em São Paulo], e começando a conhecer o pessoal da Tropicália, uma turma mais moderna, e isso reflete no disco.”
De fato, “Erasmo Carlos e os Tremendões” é um disco muito distante da Jovem Guarda, incorporando samba, samba-rock, psicodelia, bossa nova, e marca o rompimento do artista com o movimento jovem que o revelou ao país. Essa cisão se aprofundaria logo depois, quando Erasmo saiu da RGE e assinou com a Philips, gravadora mais moderna e “pra frentex” da época, casa de todos os tropicalistas, Jorge Ben Jor e Raul Seixas.
A Philips era comandada por André Midani (1932-2019). Em uma entrevista a Ruy Castro, publicada na revista Playboy, Erasmo falou de sua ida para a gravadora, em 1971. Na época, o cantor passava por um momento de ostracismo. A Jovem Guarda tinha acabado e seus integrantes eram malhados pela crítica e por outros artistas, que os recriminavam por ter feito música comercial e considerada de baixa qualidade.
“O André Midani me levou para a Philips, me deu plena liberdade e me disse: Você vai gravar o que quiser, com quem quiser, da forma que quiser. Faça o que você quiser, mas faça. É importante qualquer coisa que você crie.” O primeiro disco de Erasmo na gravadora foi “Carlos, Erasmo”, um LP audacioso, com influências de samba-rock, soul music e rock psicodélico, que trazia letras eróticas ”Dois Animais na Selva Suja da Rua”, de Taiguara e até uma ode à maconha, “Maria Joana”, composta em parceria com Roberto Carlos.
“Meu pai sempre foi muito grato ao Midani”, diz Léo Esteves. “Quando a Jovem Guarda estava chegando ao fim, meu pai ficou muito desorientado, não sabia muito bem o que fazer”. Esteves lembra que o único integrante da Jovem Guarda que parecia ter um plano para o fim do movimento foi Roberto Carlos, que conseguiu fazer a transição para a canção romântica. “O Roberto, nesse ponto, era mais esperto, já tinha ideia do que faria depois. Meu pai era bem mais ingênuo. Ele acreditava que a Jovem Guarda iria durar para sempre.”
A Jovem Guarda acabou, mas Erasmo sobreviveu e criou uma obra das mais importantes do pop-rock brasileiro. Também deu sorte de ter, no filho, um caso raro de herdeiro que entende a importância de divulgar essa obra para as novas gerações.
Por cerca de 30 anos, Léo Esteves criou, com o pai, diversos projetos discos, shows, tributos que ajudaram a manter a música de Erasmo Carlos no lugar que destaque que merece. “No início de cada ano, eu virava para ele e perguntava: O que você quer fazer esse ano? O que vai te deixar feliz?, e ele decidia o que queria fazer.”
ANDRÉ BARCINSKI / Folhapress