CANNES, FRANÇA (FOLHAPRESS) – Não é segredo para ninguém que Paolo Sorrentino é obcecado pela beleza e pela juventude. No filme que trouxe à competição do Festival de Cannes nesta terça-feira (22), o cineasta italiano não escapou da sua zona de conforto.
“Parthenope”, que decora a cidade da Riviera Francesa com uma série de cartazes, já que estreia nas salas francesas logo após o festival, é mais uma elegante e hiperbólica discussão que Sorrentino faz em torno desses temas recorrentes, já vistos em “A Grande Beleza”, “Juventude” e “A Mão de Deus”.
O novo longa acompanha a personagem-título, apelidada de Parthe e vivida pela estonteantemente bela Celeste Dalla Porta. Vemos seu nascimento nas águas salgadas que beiram o palacete napolitano dos pais, nos anos 1950, e seu amadurecimento até os dias atuais.
Parthenope é o nome de uma sereia, na mitologia grega, que atraia marinheiros para o mar com a sua voz. E Sorrentino quer brincar com a ideia de que, sedutora, Parthe pode ser, também, uma criatura das águas.
Ela exerce um estranho fascínio nos homens ao redor, com uma força que só seria justificada pela chave fantástica do filme. Ao caminhar de biquíni pela casa dos pais, chama a atenção do vizinho, que nutre uma paixão platônica por ela, e do próprio irmão mais velho.
Sorrentino se debruça sobre o atualmente pop conceito de triângulo amoroso, mesmo que isso envolva flertar com o incesto. Nada é sexualmente explícito, mas Parthe e seus dois companheiros passam os dias deitados uns sobre os outros, fazendo carinho em seus corpos e dançando, agarrados, numa cena belíssima, mas que infelizmente serve de despedida para um primeiro terço muito bom.
A partir daí há uma ruptura, tanto na vida dos personagens, quanto na qualidade do filme. Após uma tragédia familiar, que faz a protagonista tomar ciência da finitude da juventude e da beleza, “Parthenope” abandona a mitologia que havia proposto ao espectador.
Assim, a figura feminina que seduz misteriosamente abre espaço para um realismo que não combina com a trama. Se antes Parthe era capaz de fazer um milionário parar seu helicóptero sobre seu corpo bronzeado na praia, como um voyeur, agora ela é bonita e pronto. “Você tem ciência da disrupção que a sua beleza causa?”, questiona Gary Oldman, numa participação relâmpago.
Parthe, antes apenas musa, vai então para a faculdade, vira aluna de antropologia com notas excepcionais e conquista o difícil chefe de departamento pelo intelecto. O filme sofre justamente por uma vontade não declarada de fazer da personagem algo além de um rostinho bonito.
Mas a protagonista sempre foi mais do que isso, e não há justificativa verdadeira para abandonar o encanto das sereias que servia de mote. “Parthenope” ao menos entrega um verdadeiro banquete visual, com cenários plasticamente extravagantes e figurinos da francesa Saint Laurent, que entrou como produtora do longa e deixou as grifes italianas de fora.
Na contramão, o português Miguel Gomes preferiu uma estética mais simples, mas nem por isso menos bonita e interessante. Em “Grand Tour”, apresentado nesta quarta-feira (22), o diretor de “As Mil e Uma Noites” e “Tabu” recorre ao preto e branco e monta o filme como uma peça histórica dos idos do cinema.
Divertida, a trama acompanha Molly, que foi abandonada no dia do casamento, numa viagem pela Ásia em busca do noivo. Ambientado em Myanmar, “Grand Tour” mescla o universo do português à cultura local, numa saga leve e que, mesmo não sendo material para Palma de Ouro, pode ser premiada em alguma outra categoria.
Gomes equilibra bem a comédia e o drama, num filme que é essencialmente de aventura. Sua marca autoral e a estética mais artística ajudam a brincar com convenções do gênero, e não seria difícil ver a história adaptada com um gordo orçamento. É um filme mais fácil de chegar ao público, por mais reflexivo que também seja.
LEONARDO SANCHEZ / Folhapress