SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Dez anos após exigência do Plano Diretor, a cidade de São Paulo ainda não possui um plano de gerenciamento de riscos para lidar com as tragédias geradas pela crise climática.
O Tribunal de Justiça de São Paulo concedeu prazo para a prefeitura apresentar tal documento até abril deste ano. No entanto, a gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) pediu uma extensão até dezembro sob a justificativa de que lida com dificuldades de ingressar em bairros dominados pelo crime organizado.
A Procuradoria-Geral do Município (PGM), órgão que faz a defesa da administração municipal, tentou convencer o juiz para estender o prazo ao escrever, nos autos, que foi necessário negociar permissões de acesso com a comunidade local, o que demandou mais tempo.
“Isto é, para deixar de modo mais claro, em razão do crime organizado, a municipalidade tem enfrentado dificuldades para ingressar nas áreas abaixo descritas, impactando diretamente no andamento do PMRR [Plano Municipal de Redução de Riscos]”, escreveu o procurador do município Ricardo Bucker Silva, no dia 22 de abril.
A principal facção criminosa de São Paulo é o PCC, que exerce controle especialmente em áreas de periferia.
A petição da prefeitura apresenta uma relação de comunidades e bairros onde o trabalho de pesquisa foi suprimido e impactou em, pelo menos, 115 dias de trabalho no cronograma do mapeamento.
Somente no Vale da Virtudes, na região da Subprefeitura do Campo Limpo, zona sul da capital, o perfil demográfico ficou paralisado por 21 dias por conta de operações policiais em junho e julho de 2023.
A Procuradoria também relatou que, em áreas como Condessa Amalia Matarazzo e Eucaliptos, ambos na região da Subprefeitura da Casa Verde/Cachoeirinha, e Jardim Umuarama 1 (Subprefeitura Campo Limpo), técnicos como engenheiros e geólogos foram hostilizados e sofreram com a desconfiança da população por conta de antigos processos de desapropriações.
Na comunidade Abacateiro, na região da Subprefeitura Cidade Ademar, assim como em Santa Madalena (Sapopemba), Jardim Etelvina (Guaianases), Taipas (Pirituba/Jaraguá) e Palumbo (Perus), os voos de drone foram cancelados a pedido da população, diz a prefeitura.
Questionada pela reportagem sobre a justificativa dada no processo, a gestão Nunes afirmou que “permanece em contato direto com os moradores e lideranças das comunidades, além de utilizar novas técnicas de apuração de dados, como sobrevoo de drones e coleta de dados topográficos” e que “realizou contato com cerca de 150 lideranças comunitárias indicadas pelos subprefeitos de cada região”.
“Importante ressaltar que o relevo e as características das áreas demandam estratégias específicas para a elaboração do plano, e o município conta com a constante colaboração da sociedade civil”, aponta a nota da prefeitura.
Na capital, 266 áreas com uma estimativa de 34.860 moradias em áreas de riscos estão sendo monitoradas. São imóveis situados, por exemplo, em regiões onde há riscos de inundações, deslizamentos e solapamentos de margens de córregos.
O Plano Diretor, sancionado em julho de 2014, prevê a como uma ação prioritária a elaboração do Plano Municipal de Redução de Riscos (PMRR). Este documento deve analisar, quantificar e caracterizar as áreas de risco, assim como definir ações e intervenções que serão implementadas para resolver o problema.
Também cabe ao plano definir a estratégia para realocar famílias e uma articulação com o Plano Municipal de Habitação, com intuito de promover a regularização fundiária.
Desde 2014, quatro prefeitos comandaram a cidade, o petista Fernando Haddad (de 2012 a 2016) os tucanos João Doria (2017 e 2018) e Bruno Covas (2018 a 2021) e Nunes (no cargo desde 2021).
A ação que cobra da gestão atual a apresentação do plano foi movida pelo Ministério Público em 2022. Na ação civil pública, os promotores dizem que a “ausência do plano [de gerenciamento de risco] faz com que a prefeitura continue, no enfrentamento das questões de risco, agindo de forma pontual e sem o mínimo de planejamento”.
Ao se manifestar nos autos, a PGM diz que a gestão municipal tem monitorado as áreas de risco e tem agido para resolver o problema através de obras e da remoção de famílias desses locais, que passam a receber um auxílio aluguel. Com isso, diz o órgão, a prefeitura não deve ser acusada de omissão, mesmo sem elaborar o documento para prevenir os riscos previstos no Plano Diretor.
A falta do plano tornou munição contra Nunes na campanha eleitoral deste ano. A deputada federal Tabata Amaral (PSB), pré-candidata à Prefeitura de São Paulo, acionou o Ministério Público no último dia 14 para que Nunes responda os motivos do atraso, entre outras questões.
“Nem mesmo após uma decisão judicial, o prefeito Ricardo Nunes toma as medidas necessárias para evitar que a população de São Paulo sofra com os efeitos da crise ambiental, como está acontecendo com os gaúchos”, disse a deputada.
Em nota à Folha de S.Paulo, a prefeitura afirmou que deu início ao levantamento do perfil demográfico no ano passado e que, paralelo a isso, a Secretaria Municipal de Infraestrutura Urbana e Obras entregou 67 obras em áreas de riscos e outras 43 estão em andamento. “O investimento nessas intervenções é de R$ 1,8 bilhão”, diz a prefeitura.
Já o estudo hidrológico conduzido pela Defesa Civil, diz o município, foi concluído em 25 das 32 subprefeituras da capital.
Até a tarde desta terça (21), a Justiça ainda não havia respondido se concorda ou não com o pedido de prorrogação para entrega do plano até dezembro deste ano. O Ministério Público já se manifestou reiterando o desejo de que o prazo seja cumprido sob pena de multa diária.
CARLOS PETROCILO / Folhapress