ABU DHABI, EMIRADOS ÁRABES UNIDOS (FOLHAPRESS) – À frente, o mar azul-turquesa do golfo pérsico. Ao redor, o calor inclemente da primavera árabe. No centro de tudo isso, um sem-número de guindastes ergue aquilo que almeja ser a meca das artes de Abu Dhabi, a capital dos Emirados Árabes.
Trata-se do distrito cultural de Saadiyat, ilha que abriga oito instituições voltadas à cultura, quatro das quais ainda estão em construção -os museus natural e nacional, o TeamLab Phenomena, voltado a experiências imersivas, e o Guggenheim, uma versão local da instituição nova-iorquina que guarda uma das coleções de arte moderna e contemporânea mais celebradas do mundo.
Aliás, um dos destaques da nova instituição será uma escultura metálica de Lygia Clark feita em 1960 para a série “Bichos”.
Dentre os museus que estão em funcionamento, a joia mais resplandecente da coroa é o Louvre de Abu Dhabi. Fundado em 2017, o museu se impõe antes mesmo de o visitante cruzar os seus portões.
Isso porque a instituição é encimada por um domo de 7.500 toneladas inspirado nas construções islâmicas, célebres por suas grandes cúpulas, a exemplo da Cúpula da Rocha, em Jerusalém.
Se do lado de fora a construção impressiona, do lado de dentro ela mesmeriza. O domo prateado é crivado por frestas que deixam escapar raios de sol, de modo que o teto reluz feito uma nuvem de estrelas. A referência para esse efeito é a cidade de Al Ain, que fica a cerca de uma hora e 15 minutos de Abu Dhabi.
Um oásis verde incrustado no deserto, o local é conhecido por sua vegetação luxuriante. Quando o visitante caminha debaixo das palmeiras, a luz do sol atravessa a copa das árvores e cria um efeito semelhante ao observado no Louvre.
“A arquitetura é uma metáfora direta sobre quem somos”, diz Mohamed Khalifa Al Mubarak, chefe do Departamento de Cultura e Turismo de Abu Dhabi.
“Essa cúpula que você vê do lado de fora é uma celebração da capacidade humana”, afirma ele, apontando para uma grande janela através da qual é possível ver frequentadores tirando selfies na área externa do museu.
No entanto, não é apenas a arquitetura que serve de metáfora para a identidade local. A proposta curatorial do museu reflete a posição que os Emirados Árabes ocupam no xadrez geopolítico.
O país faz parte do chamado sul global, expressão moderna e politicamente correta para se referir a países do antigo terceiro mundo.
O Louvre de Abu Dhabi não tenta mimetizar seu homólogo francês. Na verdade, a instituição oferece uma visão menos eurocêntrica da arte sem, porém, negar a contribuição europeia para essa área.
Exemplo disso é uma galeria na qual estão expostas obras orientalistas, ou seja, pinturas feitas por artistas europeus sobre as culturas orientais.
Como uma resposta, a mesma sala traz trabalhos de pessoas do Oriente sobre as suas culturas. É como se a instituição quisesse evidenciar o olhar daqueles que sempre foram observados.
“Hoje, vivemos em um mundo em que o entendimento se tornou difícil”, diz Mohamed Khalifa. “Estamos mais distantes do que deveríamos estar, o que tem criado conflitos ao redor do mundo. Então, a cultura e a educação são ferramentas muito poderosas para entendermos a perspectiva uns dos outros.”
Ele acrescenta ainda que a decisão de fazer um museu multicultural tem a ver com a composição dos habitantes dos Emirados. Cerca de 80% da população é formada por imigrantes. “Celebrar a arte de todos é uma forma de melhorar a qualidade de vida das pessoas.”
De acordo com ele, o país investe o equivalente a R$ 29 bilhões para colocar de pé os museus.
No caso do Louvre, as obras duraram dez anos e foram cercadas de polêmicas. A primeira delas aconteceu antes mesmo de a construção começar.
Parte da sociedade francesa não viu com bons olhos a criação de um Louvre fora da França. À época, temia-se que o Palácio do Eliseu estivesse sacrificando a qualidade artística da instituição em favor dos vultosos ganhos financeiros que a transação traria ao governo.
Segundo a agência de notícias Reuters, os Emirados Árabes pagaram 400 milhões (R$ 2,2 bilhões) para se associar ao museu mais prestigiado do mundo. Além disso, a França emprestou 300 obras de arte para Abu Dhabi formar a coleção do novo Louvre, que conta também com 700 peças permanentes.
Um dos empréstimos mais valiosos é uma pintura de São João Batista feita por Leonardo da Vinci. O quadro, que nunca foi finalizado, pertenceu ao rei Luís 14º antes de ser adquirido pelo Louvre, em 1793.
Além da insatisfação francesa, o museu precisou lidar com acusações de violação de direitos trabalhistas.
Em 2015, um trabalhador paquistanês morreu no canteiro de obras, dando impulso a uma onda de críticas sobre as condições de trabalho dos operários.
À época, a ONG Human Rights Watch lançou um relatório denunciando violações de direitos humanos em Saadiyat, região onde o Louvre está localizado.
O documento dizia que os operários, a maioria indianos, paquistaneses e nepaleses, tinham passaportes confiscados, eram expostos a condições precárias de trabalho e recebiam salários baixos -isso quando não ficavam sem receber.
Jean Nouvel, arquiteto que projetou o Louve de Abu Dhabi, rebateu as acusações quando o museu foi inaugurado. O ganhador do Prêmio Pritzker, o Nobel da arquitetura, afirmou que as condições de trabalho na capital eram melhores que as de países europeus.
“No início das obras, visitamos os locais onde vivem os trabalhadores e estava tudo bem. Não vimos nenhum problema”, disse Nouvel ao jornal inglês The Guardian.
MATHEUS ROCHA / Folhapress