RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – O TRE-RJ (Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro) decidiu nesta quinta-feira (23) rejeitar os pedidos de cassação do mandato do governador Cláudio Castro (PL) por abuso de poder político e econômico nas eleições de 2022.
Por 4 votos a 3, os magistrados entenderam que não há provas de que o caso das “folhas de pagamentos secretas” impactou na reeleição do governador, com 58% dos votos válidos no primeiro turno.
Todos afirmaram em seus votos identificar indícios veementes de irregularidades no esquema. Mas a maioria entendeu que o tema deve ser tratado no âmbito penal ou de improbidade administrativa, não no eleitoral. Já há uma ação civil pública em curso, bem como uma investigação criminal.
Os autores das ações a Procuradoria Regional Eleitoral e a coligação de Marcelo Freixo (PT), derrotada na eleição informaram que vão recorrer ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) da decisão.
Castro afirmou, em nota, que “a democracia foi brindada com esta decisão”. “Repito o que sempre disse ao ex-deputado Marcelo Freixo: respeite o resultado das urnas e a vontade do nosso povo.”
Votaram pela absolvição de Castro, do vice-governador Thiago Pampolha (MDB) e do presidente da Assembleia Legislativa, Rodrigo Bacellar (União Brasil) os magistrados Marcello Granado, Geraldo Carnevale, Fernando Cabral e Katia Junqueira.
Votaram pela cassação da cúpula política do Rio de Janeiro o relator do caso, Peterson Simão,
a juíza Daniela Bandeira e o presidente do TRE-RJ, Henrique Andrade Figueira.
O tribunal julgou as ações que tratam do caso das “folhas de pagamentos secretas”, revelado pelo portal UOL em junho de 2022. Ele se refere ao uso da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e da Fundação Ceperj (Centro Estadual de Pesquisa e Estatística do Rio de Janeiro) para o pagamento de funcionários de projetos sociais sem a divulgação de seus nomes.
Castro e outros 13 réus são acusados de participar da montagem de um esquema para criar mais de 27 mil cargos fantasmas para alocar apadrinhados políticos às vésperas da campanha, driblando regras administrativas e eleitorais, incluindo o uso de funcionários fantasmas.
Os pagamentos eram feitos por meio de ordens bancárias emitidas em nomes dos funcionários dos projetos e pagas na boca do caixa das agências do Bradesco em dinheiro vivo. As contratações só foram interrompidas em agosto, após uma ação civil pública do Ministério Público estadual em agosto de 2022.
Granado foi o primeiro a votar nesta quinta, abrindo a divergência contra o voto do relator. Ele entendeu que não ficou comprovado o impacto das possíveis irregularidades “na lisura e equilíbrio do processo eleitoral”.
“Não se trata simplesmente de reconhecer uma ilegalidade cível ou administrativa ou até mesmo criminal, pois não é esse palco para isso. Deve haver nessas irregularidades um claro intuito e impacto eleitoreiro.”
Granado concordou com argumentos da defesa de Cláudio Castro de que as possíveis irregularidades não tiveram potencial para impactar uma eleição na qual o governador venceu no primeiro turno com 2,6 milhões de votos válidos a mais do que Freixo, o segundo na disputa.
“Cada um desses 26 mil contratados deveriam ter aptidão de influenciar outras 100 pessoas”, disse o magistrado.
Ele também entendeu que não ficou comprovado ordens diretas dos acusados para as ações eleitoreiras descritas nas ações.
“Não vejo prova inequívoca de existência de ordens partidas do detentores de funções superiores para as diversas estruturas administrativas que executaram as ações para propiciar as vantagens eleitorais”, disse Granado.
“A mera ocupação de um cargo de liderança por si só não configura a autoria de um crime ou fato. Exige demonstração de sua ação em consonância com o tipo penal”, argumentou.
Na sessão da última sexta-feira (17), em que foi o único a votar, Simão descreveu o caso como um “plano perverso” arquitetado por “um gênio do mal”. Para o relator, Castro se tornou o “mandante das irregularidades” ao editar um decreto assinado em março de 2022 no qual formalizou a ampliação dos objetivos da Ceperj. O instrumento deu respaldo legal para execução dos projetos sociais questionados na ação.
“Foi nítido o caráter eleitoreiro perturbando a legitimidade e normalidade de um pleito de grande dimensão referente à eleição do chefe do Executivo do estado”, afirmou.
Granado, porém, afirmou considerar que a assinatura do decreto não se configura um desvio de finalidade.
“Não estou eximindo o governador e outros integrantes de sua cúpula de qualquer responsabilidade em relação a essas contratações da Ceperj. Mas não vejo esse desvio de finalidade nesse decreto, não sendo possível extrair de sua edição uma motivação de influenciar o pleito.”
Cabral, também favorável à absolvição, destacou em seu voto o fato de Castro ter melhorado nas pesquisas eleitorais mesmo após a interrupção dos projetos por ordem da Justiça. “O fato do desempenho do candidato ter melhorado após a suspensão dos projetos, conduz à conclusão que eles não estavam atrelados à corrida eleitoral.”
Ao acompanhar o relator, que votou pela cassação, Bandeira destacou o fato de que o crescimento das contratações das “folhas de pagamentos secretas” foram realizadas no ano eleitoral sem previsão orçamentária, apesar de os projetos terem se iniciado no ano anterior.
“Não houve previsão orçamentária para dos valores empenhados nos referidos projetos do governo”, disse.
O presidente da corte, que também acompanhou o relator, comparou o gasto de dinheiro público nos projetos considerados irregulares com o teto determinado pelo TSE para gasto em campanha para governador no estado.
“A comparação deveria ser feita com o limite que cada candidato tem para fazer sua campanha eleitoral. O TSE determina o valor. A campanha do presidente, naquele ano, no primeiro turno era de R$ 88,9 milhões, e no segundo turno R$ 44 milhões. A de governador no Rio era R$ 17 milhões. Foram [gastos neste caso] mais de meio bilhão de reais”, disse Figueira.
Em nota, Cláudio Castro disse que recebeu o resultado “com profunda humildade”.
“Desde o início deste processo, reiterei a confiança na Justiça, o que se comprovou hoje. A democracia, pilar fundamental da nossa sociedade, foi brindada com esta decisão. Importante destacar que além do trabalho da nossa defesa, a decisão respeitou o voto livre e soberano de mais de 4,8 milhões de eleitores do Estado do Rio de Janeiro.”
ITALO NOGUEIRA / Folhapress