CANNES, FRANÇA (FOLHAPRESS) – Amar é um ato intenso, somos lembrados em poucos minutos por “Beating Hearts”, ou “L’Amour Ouf”, no original. E para capturar bem o sentimento, Gilles Lellouche decidiu fazer também um filme intenso, exibido como parte da competição pela Palma de Ouro nesta quinta-feira (23).
No português, a tradução para o título é algo como amor louco ou extraordinário, algo que abate os protagonistas Jackie e Clotaire quando se veem pela primeira vez, ainda adolescentes, nos minutos iniciais de filme. Eles são vividos pelos jovens e encantadores Mallory Wanecque e Malik Frikah e, mais tarde, por Adèle Exarchopoulos e François Civil.
É longa e prazerosa a experiência de vê-los amadurecer no filme do diretor de “Um Banho de Vida”, que é hiperbólico por vocação e acerta ao não se conter nos momentos de drama e romance. Há até alusões ao musical, em sequências oníricas que tiram os personagens da realidade por alguns segundos, capturando de forma lúdica a sensação de leveza de quando se está apaixonado.
“Beating Hearts” é um filme que fala da sobrevivência do amor. Jackie e Clotaire querem ficar juntos a todo custo, mas são várias as provações e distrações que cruzam seus caminhos. Em especial o dele, um arruaceiro que se envolve com uma gangue perigosa e acaba indo para a prisão.
A trama dá uma derrapada no finzinho, quando escolhe um desfecho excessivamente maniqueísta para um de seus personagens, mas isso não tira a potência e a visceralidade desta que é uma grande experiência cinematográfica.
Da intensidade de “Beating Hearts”, Cannes foi para o contido “All We Imagine as Light”, ou tudo o que imaginamos como luz, um raro exemplar indiano na competição pela Palma de Ouro. Com direção da novata Payal Kapadia, é um filme que também fala de relacionamentos, a partir do contraste criado entre suas duas protagonistas.
Prabha teve um casamento arranjado e trabalha como enfermeira enquanto o marido mora na Alemanha, de onde mal manda notícias. Ela divide apartamento com Anu, que namora e está farta de receber propostas de maridos vindas da sua família. Elas têm visões diferentes sobre o que deveria ser a sociedade indiana, e não só no matrimônio.
A primeira é conformada, responsável, aparece em várias cenas fazendo trabalhos domésticos e se veste de forma mais recatada. A segunda é questionadora, atrasa o aluguel, compra bugigangas em lojinhas de rua e é expansiva.
Algumas cenas que parecem documentais contribuem para a sensação de que este não é só um filme, mas também uma discussão sobre a Índia. É um filme inocente, com uma conclusão um tanto preguiçosa, mas que joga luz sobre uma diretora a se ficar de olho.
Para encerrar a competição de longas, Cannes ainda exibiu, nesta sexta-feira (24), “The Most Precious of Cargoes”, ou a mais preciosa das mercadorias, de Michel Hazanavicius. Uma animação, algo também raro na competição pela Palma de Ouro, o drama mostra com um olhar delicado uma garotinha que é resgatada do frio em meio a uma guerra.
Hazanavicius, mais uma vez, não cede à tentação de ser piegas, deixando o que começa como um filme poderoso cair num dramalhão excessivamente ingênuo. Percebe-se um desespero em vestir a roupa de um filme com mensagem.
Em termos visuais, a animação é bonita e bem acabada, enquanto a trilha sonora é outro acerto de Alexandre Desplat, ajudando a contar a história em vez de ser mera decoração.
LEONARDO SANCHEZ / Folhapress