SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A taxa básica de juros, Selic, está intrinsecamente ligada ao consumo da população. Quanto mais alta a inflação, maior os juros e mais caro fica a tomada de crédito, o que afeta a capacidade de financiamentos. Na alta renda, porém, a dinâmica é diferente.
Segundo Diego Villar, presidente da incorporadora do Nordeste Moura Dubeux, voltada apenas para a média e alta renda, o principal fator que influencia a compra dos seus imóveis é a confiança no país.
“O que é confiança? Você acredita que você está bem empregado, que sua renda vai aumentar ao longo do tempo, que o país está bem, então toma a confiança de tomar dívida e comprar um imóvel. Digamos que a Selic se estabilize em 10%, 10,5%. Para mim, o mais importante é que haja confiança no país, confiança de crescimento”, diz
O executivo avalia que, ao contrário do que acontece nas outras camadas sociais, para quem está no topo da pirâmide há um efeito inverso e a Selic alta impulsiona os rendimentos dessas pessoas, ampliando a desigualdade econômica.
“O rico fica cada vez mais rico e o pobre, que não tem poupança, fica cada vez mais pobre. E a classe média é extirpada, ela desaparece nesse ambiente”, afirma.
Para Villar, esse efeito, observado em todo o país, é mais intenso no Nordeste. Confira outros trechos da entrevista.
PERGUNTA – Assim como aconteceu com outras incorporadoras por motivos diversos, a Moura Dubeux também bateu recorde de vendas de imóveis no ano passado. A que se deve esse resultado?
DIEGO VILLAR – Essa é uma resposta que, apesar de simples, tem uma história para contar. O que aconteceu na nossa região? De 2006 até 2014, a gente sofreu uma invasão de todas as grandes incorporadoras de São Paulo. Algumas ainda existem, outras, não mais.
Por exemplo, a gente tinha aqui Cyrela, Tecnisa, PDG, Rossi, Gafisa, além de grandes incorporadores locais do Nordeste, como Queiroz Galvão, o braço imobiliário da Odebrecht, a OAS, entre outras. O consumo era algo em torno de R$ 10 bilhões a R$ 12 bilhões ao ano e o mercado chegou a lançar de R$ 15 bilhões a R$ 18 bilhões ao ano. Ou seja, houve uma superoferta.
E aí o que aconteceu? Os incorporadores são lentos em fazer leitura, então encharcam o mercado em geral, no momento em que veio o segundo mandato de Dilma [Rousseff], com um descontrole de contas públicas, Selic no espaço, crise política e o Brasil na Lava Jato. Essa combinação foi ultra nociva para a nossa região.
As incorporadoras de São Paulo saíram daqui queimando o preço, mergulhando o preço do metro quadrado. E as principais empresas envolvidas na Lava Jato eram as empreiteiras, o que afetou os seus braços imobiliários. Foi terra arrasada. E quando o Brasil entra em um ambiente de nenhum crescimento ou até de recessão, o Nordeste sofre mais. O Nordeste cresce mais quando o Brasil cresce, e ele sofre mais a recessão.
Essa combinação levou, de 2015 a 2017, a um mercado que ninguém lançava. Várias empresas da nossa região decretaram recuperação judicial. Quando o [Michel] Temer entrou com a pauta reformista e de controle político e econômico, que voltou a gerar uma dinâmica econômica positiva, com redução da taxa de juros e tudo mais, o mercado imobiliário voltou. E o que sobrou? Pouco produto na prateleira e pouco incorporador. Em 2018, a gente começou a perceber isso fortemente e voltou a lançar, mas se viu muito só.
P. – Então a Moura Dubeux quase não tem concorrência hoje?
DV – Exato. Para você ter ideia, nós somos a única incorporadora de média e alta renda atuando em sete estados simultaneamente do Nordeste. Não existe nenhuma que atua em três estados ao mesmo tempo.
E a Moura é suficiente para poder ocupar o espaço de consumo do mercado imobiliário do Nordeste? Não. A gente tem pouco produto na prateleira para a demanda e baixa competição estrutural regional.
De 2020 até dezembro de 2023 nós acumulamos 25% de market share [participação de mercado] na média e alta renda nas regiões metropolitanas de sete capitais nordestinas. Ninguém tem isso em São Paulo.
Então, pega esse cenário e associa a uma empresa de quase 41 anos de história. A performance de vendas acaba vindo naturalmente. Foi o ambiente perfeito, que eu chamo de um oceano azul..
P. – E por que o Nordeste é a região que mais cresce quando o país acelera e é o que mais sofre com recessão?
DV – O Nordeste é uma das regiões do Brasil mais dependentes de políticas públicas. E que tipo de governo mais subsidia a classe C e D do país?
Os governos de esquerda. Não é à toa que a maior base eleitoral do governo do PT é o Nordeste. A classe que recebe essa renda joga esse dinheiro na economia.
Boa parte do dinheiro público acaba sendo direcionado também para investimentos em infraestrutura na nossa região. No primeiro momento, isso gera uma dinâmica de crescimento de PIB [Produto Interno Bruto]. Se tiver o controle fiscal com produtividade, o país vai bem. Senão, gera inflação, que gera o aumento da taxa de juros e provoca um ambiente de retração.
Esse ambiente de retração leva a um governo que tem que segurar as contas públicas. E ele segura onde? Subsídios, investimento em infraestrutura. Quem sofre com isso?
O Nordeste. E, outra coisa, o vetor de crescimento e de renda da nossa região também está muito atrelado ao turismo. Quando o país está em recessão, as pessoas cortam o que supérfluo, e o turismo é considerado pelas famílias como um plus na renda.
P. – De que forma os juros altos têm impactado o consumidor da Moura Dubeux?
DV – Eu não trabalho com números de Minha Casa, Minha Vida, mas, na média e alta renda, como é que a gente vê essa dinâmica? Muitas vezes se fala que a taxa de juros é o principal indutor da decisão de comprar um imóvel. De fato, tem um peso significativo. Mas, na verdade, o primeiro é confiança na compra do imóvel.
P. – O que é confiança?
DV – Você acredita que você está bem empregado, que sua renda vai aumentar ao longo do tempo, que o país está bem, então toma a confiança de tomar dívida e comprar um imóvel. Digamos que a Selic se estabilize em 10%, 10,5%. Para mim o mais importante é que haja confiança no país, confiança de crescimento, confiança de melhoria de renda, confiança de empregabilidade.
P. – E na alta renda, quando a Selic está elevada o patrimônio dela está até aumentando. O que acontece quando a Selic está muito alta?
DV – Quem tem patrimônio, poupança, recursos, isso tudo aumenta. Por isso que o país fica mais desigual quando os juros são muito altos. O rico fica cada vez mais rico e o pobre, que não tem poupança, cada vez mais pobre. E a classe média é extirpada, ela desaparece nesse ambiente.
Agora, é óbvio que para uma dinâmica econômica do país eu prefiro juros baixos, porque não só favorece a nossa economia diretamente, mas indiretamente gera mais renda, que gera mais confiança.
Quando a Moura Dubeux estreou na Bolsa em 2020, a ação foi precificada em R$ 19, mas logo em seguida caiu para R$ 6. E agora a empresa está retomando o preço, com o papel valendo cerca de R$ 12. Houve uma recuperação boa no ano passado.
P. – O sr. acha que no curto ou médio prazo vocês vão voltar àquele valor de mercado?
DV – Se você olhar na proporção das outras empresas do setor, tanto as incorporadoras de média e alta renda como as do Minha Casa, Minha Vida estavam sob outra base de valuation [avaliação do valor da empresa] quando fizemos IPO [oferta pública inicial, na sigla em inglês].
A Moura caiu muito porque veio a pandemia. Somos uma empresa do Nordeste que tinha acabado de abrir capital, então havia uma certa dúvida se seríamos capazes de executar nosso plano de negócios, até porque todo mundo tinha um monte de dúvidas sobre o ambiente pandêmico mundial.
Mas, de lá para cá, o que nós fizemos foi entregar todos os resultados que tínhamos prometido. E a relação de confiança e de credibilidade com o mercado baseado no histórico dos últimos quatro anos de resultados está se formando.
Na minha opinião, a última trava que falta para a gente melhorar ainda mais a precificação e até ultrapassar os R$ 19 é o pagamento de dividendos, que eu vou começar a fazer já no início de 2025.
P. – E quais são as particularidades para uma incorporadora no Nordeste do ponto de vista de modelos de imóveis?
DV – Tem algumas diferenças. É inconcebível, por exemplo, você voltar o apartamento olhando para o poente. Em São Paulo, é mais do que cabível. Mas aqui a região é predominantemente de clima quente. À tarde, com sol muito forte, o apartamento fica muito quente.
Além disso, historicamente, o prédio nobre no Nordeste é revestido com granito, mármore ou pastilha na fachada. Não é pintado, não é texturizado, diferente de São Paulo.
Normalmente, no Nordeste, os prédios são muito bem dotados de varandas, para favorecer a ventilação e a iluminação. Especificamente em Fortaleza, os vãos e as paredes têm que prever fixação de rede, porque é cultura local. Piscinas de borda infinita, vista ao mar, é sempre muito melhor também. Essas são algumas características das peculiaridades regionais.
P. – Vocês esperam expandir para fora do Nordeste?
DV – Não, primeiro porque eu não acredito que incorporadora que atua apenas na média e alta renda tem capacidade de ser continental. E o Brasil é continental.
Não existe déficit habitacional para a alta e média renda. Então, o fator número um de tomada de decisão da compra do imóvel é a localização. O grande diferencial de conhecer a média e alta renda é viver o local, entendendo onde é o desejo de moradia.
A mudança de característica de cada região é tão complexa que seria até um tom de arrogância a gente achar que conhece todo o Brasil. A ambição que nós temos é de ser uma incorporadora reconhecida nacionalmente, mas por atuar no Nordeste..
P. – E dentro do Nordeste, de que forma vocês estão buscando expandir?
DV – Quando todas as incorporadoras de média e alta renda começaram a não mais viabilizar, por conta do aumento de custo, imóveis de R$ 7.000 a R$ 7.700 o metro quadrado, que são apartamentos que começam em R$ 350 mil e vão até R$ 600 mil, a gente fez uma combinação de um método construtivo amplamente conhecido dentro do Minha Casa, Minha Vida com uma sofisticação arquitetônica e de paisagismo, e embalou isso em uma nova empresa chamada Mood. Estamos no quarto lançamento.
Isso é o que a gente está considerando em tecnologia: um sistema construtivo, associado a atributos arquitetônicos e a um déficit que estava acontecendo, uma demanda reprimida. Então, a ideia é atender o público da classe B, que são famílias que ganham R$ 15 mil de renda e que têm necessidade de comprar um imóvel, mas não estão conseguindo comprar apartamento novo fora do Minha Casa, Minha Vida.
RAIO-X
Diego Paixão Nossa Villar, 41
Formado em engenharia civil, com especialização em finanças pelo Ibmec e gestão de projetos pela FGV, possui MBA Executive pela Fundação Dom Cabral e Kellogg. Há mais de 18 anos no mercado imobiliário, iniciou na Moura Dubeux como gerente de projetos e hoje é o diretor-presidente.
STÉFANIE RIGAMONTI / Folhapress