SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS) – Natália Giovanini estava na reta final da preparação para correr seu primeiro Ironman Brasil quando veio um chamado tarde da noite. Capitã e piloto da PM-SP, ela estava sendo convocada para auxiliar nos resgates aéreos no Rio Grande do Sul. Aceitou sem pensar duas vezes, mas não deixou de ter em mente seu objetivo como atleta amadora de completar a maior prova de triatlo da América Latina.
CONVOCAÇÃO E RESGATES
Passava das 23h (de Brasília) do dia 30 de abril quando o telefone de Natália tocou. Era seu comandante perguntando se ela tinha condição de ir ao Rio Grande do Sul e ajudar nas operações de resgate às vítimas das enchentes. Cidades gaúchas já estavam debaixo d’água.
A capitã da PM não hesitou e começou a preparar sua mochila. Entre o mínimo necessário na bagagem, adicionou shorts de corrida, camisetas e seu tênis para tentar seguir com os treinos após as horas de trabalho o Ironman era em 19 de maio. Não tinha como levar a bicicleta. Ela, então, partiu com sua equipe, a primeira de fora do estado a auxiliar na tragédia.
“De pronto, respondi [que podia ajudar], não pensei nas consequências que isso traria para a prova. Esse espírito de querer ajudar as pessoas, de estar sempre pronto, a gente abraça nessas missões e vai muito sem pensar”, conta Natália, ao UOL.
Assim que chegou, já teve sua resistência colocada à prova. Designada inicialmente para o Vale do Caí, foram oito horas ininterruptas de resgate, parando apenas para ir ao banheiro. Tão focada em ajudar as pessoas, não sentia fome. Só pensava em realizar sua função.
Veio então a comparação com o Ironman. Menos de 20 dias depois, em Florianópolis, ela encararia pela primeira vez a prova de triatlo com 3,8 km de natação, 180 km de ciclismo e 42,2 km de corrida. Natália já tinha completado o Ironman 70.3, modalidade mais leve da competição, mas ainda iria desafiar seu próprio limite na etapa “completa”.
“Não sei se foi a adrenalina ou a vontade de ajudar o maior número de pessoas, mas eu não sentia fome. Foi minha 1ª reflexão com o Ironman. Essa situação de viver extremos, de não sentir forme e estar focado naquilo que quer ia fazer parte da minha prova. Estava fazendo parte do meu aprendizado para a prova”, diz.
TREINOS EM MEIO À TRAGÉDIA
O esforço dos primeiros dias impossibilitou Natália de treinar. Ela não tinha forças para correr depois de ter trabalhado durante todo o período com luz solar e de ainda acertar os preparativos para a missão seguinte. Como estava atuando em uma região completamente afetada pelas chuvas, a estrutura e a logística também não facilitavam.
A situação mudou a partir do quarto dia, quando foi enviada com sua equipe para o entorno de Porto Alegre e ficou alojada na base aérea de lá. Os salvamentos continuaram e eram exaustivos, mas ela recorreu aos treinos como estratégia para aliviar a mente. Apesar do cansaço físico, ela corria para escapar da realidade da tragédia e retomar um pouco da sua rotina.
Ao todo, Natália ficou sete dias no Rio Grande do Sul e ajudou a salvar cerca de 150 pessoas. Ela já tinha experiência de atuar em outras calamidades, mas contou que os estragos causados pela enchente gaúcha a espantaram. Por outro lado, também ficou inspirada com a resiliência das pessoas.
“Apesar de estar exausta, precisava relaxar minha mente. Foi muita tristeza. Já fui para vários desastres, Brumadinho, Petrópolis, São Sebastião, mas a proporção que chegou no RS foi uma coisa que nunca vi antes na minha vida. A quantidade de pessoas necessitando de ajuda, nunca tinha visto”, conta a atleta.
Emocionada, a piloto destacou que ver a determinação dos resgatados, que tinham perdido tudo, a motivou a não desistir de seu objetivo pessoal. Ela refletiu sobre o quanto era privilegiada diante da situação dos gaúchos e quis prestar uma espécie de homenagem completando a prova: “Vou terminar esse Ironman para mostrar que o ser humano é forte”. E cruzou a linha de chegada.
“A gente vê quantas pessoas sofrem e a gente tem uma qualidade de vida tão boa. Penso naquelas pessoas que tinham perdido tudo e não desistiram, estavam fortes ali como podiam.. Não sou eu que vou desistir. É esse pensamento de resiliência, foco e determinação que vai me fazer terminar”, afirma Natália .
ANDRÉ MARTINS / Folhapress