Ministros defendem perdão de Lula a homem preso após 62 reconhecimentos por foto

RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Um ano após o fim da prisão considerada injusta pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça), Paulo Alberto da Silva Costa, 37, ainda enfrenta uma “via crúcis” judicial.

Ele sofreu três novas condenações semelhantes às consideradas uma “vergonha” pelo ministro Rogério Schietti, do STJ, e tem enfrentado dificuldades para conseguir emprego em razão dos constantes interrogatórios.

Paulo aguarda ainda a resposta para o pedido de indulto feito pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro ao presidente Lula. Apoiam o perdão o ministro Silvio Almeida (Direitos Humanos e Cidadania) e o Ministério da Igualdade Racial, comandado por Anielle Franco, acionados para articular a medida.

Paulo ficou três anos preso após acumular 62 ações penais, sendo 59 por roubo, e as demais por homicídio, latrocínio e receptação. Todas as acusações, de acordo com sua defesa, têm como origem o reconhecimento por foto na delegacia, prática considerada ilegal pelo STJ.

Seu caso chegou ao STJ quando já acumulava 20 absolvições e 11 condenações, das quais 4 não caberiam mais recurso. A corte determinou a revogação de todos os 12 mandados de prisão contra Paulo, bem como sua soltura imediata.

“Estou convencido de que estamos diante de um erro judiciário gravíssimo, com consequências duradouras no tempo. […] Estamos diante de um caso que me envergonha de integrar um sistema de Justiça de moer gente. Uma roda viva de crueldades”, declarou o ministro, no julgamento.

Um ano depois, a roda viva de Paulo continuou. Ele foi condenado em três ações penais e foi citado para responder ao 63º processo, por roubo.

A lista de vitórias, porém, também é grande. Foram mais 16 absolvições em primeira instância –entre elas a de homicídio– e 4 reversões de condenações por novas decisões do STJ.

O passivo judicial, porém, persiste. Paulo ainda precisa ir com frequência ao fórum para ser interrogado nos processos em que é réu. A rotina dificulta que ele consiga emprego.

“Tinha conseguido trabalhar numa obra, como ajudante. Mas toda hora aparece uma audiência. A obra não pode parar. Não pode estar saindo toda hora. Para eles [empregadores], não estava tendo condição para todas essas saídas”, contou.

Paulo segue desempregado, vivendo de bicos e lavando carros. “Arrumar trabalho em si já é difícil. Dessa forma, com passagem e ainda respondendo a processo, muito trabalho não dá oportunidade.”

A Defensoria Pública enviou para os ministérios da Igualdade Racial e Direitos Humanos e Cidadania um pedido para que Paulo receba um indulto individual (também chamado de graça) de Lula para anular as quatro condenações definitivas.

O instrumento está previsto no Código do Processo Penal. O pedido ainda precisa passar pelo Conselho Penitenciário e pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) para posterior decisão do presidente da República.

O benefício, se concretizado, seria inédito. O único a conceder graça individual foi o ex-presidente Jair Bolsonaro, para o ex-deputado Daniel Silveira. O decreto, porém, foi derrubado pelo STF (Supremo Tribunal Federal). Os ministros consideraram que ele subverteu o poder legal ao “beneficiar aliado político de primeira hora legitimamente condenado criminalmente pelo STF”.

A coordenadora criminal da Defensoria Pública, Lúcia Helena, afirma que o indulto tem como objetivo nacionalizar a discussão sobre o reconhecimento fotográfico. A defesa de Paulo optou pela estratégia em lugar de um pedido de revisão criminal, instrumento judicial para reversão de condenações definitivas.

“Pode ser a graça ou o indulto coletivo. O que a gente quer é que, de uma forma ou outra, haja definição nacional sobre o tema”, disse ela.

Silvio Almeida afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, que vai se empenhar pessoalmente pela concessão da graça porque considera o caso “paradigmático” e que mostra a injustiça do sistema criminal no Brasil.

“Após as análises feitas pelas unidades competentes do ministério, por meio da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, o ministro vai conversar com o ministro Ricardo Lewandovisk [Justiça] para encaminhar a posição do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania pela concessão de indulto. O que será decidido obviamente pelas autoridades competentes”, afirmou a assessoria do ministro.

“Cabe ressaltar que é um caso que merece toda atenção especial porque demonstra todas as falhas e injustiças do sistema criminal brasileiro.”

Em nota, o Ministério da Igualdade Racial afirmou que tem tratado do caso internamente. “Dado que a competência para tratar de indultos é do MJSP, tratativas serão feitas para que o tema seja levado às instâncias competentes e tamanha injustiça possa ser corrigida o quanto antes.”

De acordo com relatório do IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa) sobre o caso, as denúncias não apontavam qualquer outra prova de envolvimento dele além do reconhecimento fotográfico feito pelas vítimas.

Em alguns casos, as vítimas reconheceram em audiência judicial Paulo como o criminoso que as roubou. O STJ, porém, entende que essa confirmação é feita com viés, já que é precedida da identificação por foto.

“A afirmação do ofendido [vítima] que identifica agente do crime não é prova cabal. Do contrário, a função dos órgãos de estado seria relegada a segundo plano, a mero homologador da acusação”, afirmou a ministra Laurita Vaz, durante o julgamento.

O drama de Paulo começou dias antes de 6 de março de 2020, data de sua prisão, quando sua irmã viu sua foto no “mural dos suspeitos” da delegacia de Belford Roxo, onde mora. A suspeita do IDDD é de que isso ocorreu porque o condomínio em que ele vivia e trabalhava como porteiro era controlado por uma facção criminosa.

Dias após a família questionar o uso da imagem de Paulo no mural, a polícia prendeu o porteiro. Naquele momento ele já tinha 40 mandados de prisão contra si.

Apesar da “roda viva” judicial, Paulo se diz aliviado por cumpri-la, agora, em liberdade. Diz que conseguiu reatar contato com a filha de 6 anos que não o reconheceu após deixar a cadeia. Também mantém convivência com o filho de 11.

Ele almeja agora retomar sua independência. “Não estou aguentando mais essa situação. Sempre trabalhei. Minha irmã sempre ajudou minha mãe. Agora eu estou parado no tempo. Não gosto de depender da minha irmã. Infelizmente é isso.”

ITALO NOGUEIRA / Folhapress

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