RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Na noite de 19 de outubro de 2012, as ruas brasileiras ficaram desertas. A presidente Dilma Rousseff remarcou seu ato na campanha municipal de Fernando Haddad. O vazio urbano foi tema de reportagem até no jornal inglês The Guardian.
Não, não se tratava de nenhum vírus com alto potencial de circulação. Era o último capítulo de “Avenida Brasil”. A novela das nove, que terminou com 50,9 pontos de audiência, resgatou a capacidade de influência dos folhetins da Globo.
Mas o feito de parar o país, antes rotineiro, nunca mais se repetiu, em que pese alguns sucessos na década. Agora, após tentativas como os remakes de “Pantanal” e “Renascer”, a emissora traz de volta para o horário o autor João Emanuel Carneiro, criador da trama que simbolizou o “país da classe C”, fazendo o público se perguntar, como sempre acontece a cada novela sua: “teremos uma nova ‘Avenida Brasil’?”.
Com estreia prevista para setembro, “Mania de Você” traz o jogo de ambiguidades entre a protagonista e a antagonista, algo que caracteriza o universo de Carneiro desde “A Favorita”, sua primeira novela das oito, exibida de 2008 a 2009.
O folhetim conta a história de duas garotas nascidas no mesmo dia –Viola, papel de Gabrielly Nunes, uma jovem apaixonada por gastronomia que se muda para Angra dos Reis com o namorado, Mavi, papel de Chay Suede, um vilão apaixonado. Na cidade, ela vai trabalhar na casa de Luma, vivida por Agatha Moreira, garota rica que sonha em ser chef de cozinha e namora Rudá, interpretado por Nicolas Prattes, o herói romântico da história.
“Dez anos depois, Luma está na miséria, e a outra está rica e famosa. Viola acaba ‘roubando’ a vida que era para ser da outra”, diz Carneiro.
Então, Luma se reaproxima de Viola, que a ajuda a ascender novamente. Mas a amizade acaba se tornando rivalidade, quando as duas se veem apaixonadas por Rudá. Não será, no entanto, a história de uma vilã e de uma mocinha fechando os vértices de um triângulo amoroso.
“Não é uma história de duas vilãs nem de duas heroínas. São facetas que vão se alternando. Você torce por uma, torce por outra. O que vai pegar as pessoas é a dança dessas personagens, que elas vão amar, odiar e amar de novo.”
Apesar das semelhanças à primeira vista, Carneiro refuta comparações com Flora, vivida por Patricia Pillar, e Donatela, papel de Claudia Raia, em “A Favorita”. “Flora é uma assassina, e Donatela é uma vítima”, ele lembra. Na novela, a personagem de Pillar deixava a cadeia disposta a provar sua inocência pelo assassinato de Marcelo –enquanto Donatela reafirmava até o limite do desespero a culpa da vilã.
“Usei o lugar-comum para manipular as pessoas. Você nunca acredita que uma pessoa que sai da cadeia para provar sua inocência é culpada. Houve uma perplexidade geral, milhares de cartas, até ameaças de morte”, diz ele, que tem “A Favorita” como a novela predileta de sua carreira.
“Mania de Você” traz outro elemento comum às suas tramas –vingança e justiça, eixo central de “Avenida Brasil”. “Uma injustiça é uma coisa particularmente tocante da alma humana. E rende muitos capítulos”, ele diz. Desta vez, porém, as duas protagonistas embarcarão na narrativa de vingança, assim como o herói romântico de Prattes.
A novela pretendia, inicialmente, inverter os papeis do casal Tufão e Carminha, vividos por Murilo Benício e Adriana Esteves. O ator era cotado para interpretar o vilão, Molina, mas não chegou a um acordo com a emissora. O personagem ainda não teve um substituto divulgado. Já o papel de Adriana Esteves, Mércia, uma mulher submissa, é uma das apostas do autor. “Vai ser polêmica por ser submissa”, Carneiro.
O sucesso de “Avenida Brasil”, se por um lado não se repetiu, por outro tirou de cena as discussões em torno do fim das telenovelas, em voga na época. Apesar dos índices de audiência serem mais baixos hoje do que há 12 anos, Carneiro é otimista quanto à longevidade do gênero. “Trinta pontos ainda é muita gente. São 70 milhões de pessoas vendo todos os dias. Por semanas.”
O autor vivenciou outro tipo de repercussão com “Todas as Flores”, primeira novela original do Globoplay. “É uma repercussão num certo meio. Conhecia muita gente, nessa bolha que eu vivo, que via. Até mais que minhas últimas novelas na TV aberta”, afirma.
A novela fez sucesso no serviço de streaming e, depois, na TV aberta. Nela, ele destaca, entre outros, o trabalho da atriz Thalita Carauta, que vivia o tragicômico calvário e redenção da atriz pornô Mauritânia.
“Thalita fazendo Mauritânia e Marília Pêra fazendo Milú [em ‘Cobras e Lagartos’] são as atrizes que mais me surpreenderam. Elas entregam 200% do que você escreveu. Fazem seu texto ficar melhor do que você imaginava.”
Carauta estará em “Mania de Você”, onde viverá Lady, uma personagem que chantageia outra chantagista, Ísis, de Mariana Ximenes. “É uma chantagem bem engraçada”, Carneiro adianta.
O autor iniciou a carreira com o curta-metragem “Zero a Zero”, premiado em Gramado em 1991. Seus diálogos chamaram a atenção de diretores, que o convidaram para trabalhar como roteirista. Entre os roteiros que assinou, está o de “Central do Brasil”, de Walter Salles.
Em 2004, estreou como autor de novelas no horário das sete, com “Da Cor do Pecado”, que trazia a primeira protagonista negra das telenovelas. “Muita gente estranhava. Tinha mais racismo explícito”, ele diz.
Criticado na época de “Avenida Brasil” pela gafe tecnológica do pen drive de Nina com fotos comprometedoras –que, afinal, existia e foi roubado por Carminha–, Carneiro tem se atualizado. Já trocou o cheque pelo Pix e promete estrear nas redes sociais, um pouco antes de “Mania de Você”, com uma conta no Instagram. “Não dá para ficar fora mais.” Flora e Carminha que o digam.
DANILO THOMAZ / Folhapress