Como América Latina criou ideias de modernidade através do design

NOVA YORK, EUA (FOLHAPRESS) – A designer cubano-mexicana Clara Porset defendia que o design é só um resultado. Sua finalidade, ela explicava, era elevar o nível geral da vida. As perguntas sobre o que essa vida era —e poderia ser— impulsionaram movimentos ambiciosos na América Latina dos anos 1940 aos 1980, como mostra a exposição “Crafting Modernity”, no Museu de Arte Moderna de Nova York, o MoMA.

Países como o Brasil elaboravam ideias de modernidade que caminhavam entre ser internacional e desenvolver uma linguagem local, acompanhar um crescimento industrial e olhar para a produção artesanal. Surgiram projetos que, cada um à sua maneira, tentavam delinear e sonhar o continente.

A mostra, que vai até 22 de setembro, revê a elaboração dessas modernidades a partir da produção de seis países —Argentina, Colômbia, Chile, Brasil, México e Venezuela. Todos compartilham nessas quatro décadas de uma industrialização pós-guerra, a necessidade de entender e criar os mercados de seus próprios territórios, e a busca por uma identidade nacional complexa.

O espaço doméstico aparece como o laboratório desses projetos, diz Ana Elena Mallet, que comandou a curadoria da exposição com Amanda Forment. “Vários designers, arquitetos e artista começaram a criar suas identidades através da casa na América Latina. E o jeito que se vive na América Latina é diferente do na Europa e nos Estados Unidos.”

As curadoras reuniram uma série de fotografias e vídeos de casas emblemáticas de nomes como Oscar Niemeyer e Lina Bo Bardi, com destaque para sua Casa de Vidro. O pensamento de Bo Bardi sobre design e arquitetura, aliás, parece nortear a mostra ao lado das ideias desenvolvidas por Clara Porset. Trazer o passado ao presente, e entender o vernacular como uma linguagem, atravessa a seleção dos objetos.

A cadeira dos anos 1950 “Butaque”, feita por Porset, é a grande vitrine na divulgação dessa exposição. “Butaque” se refere a uma cadeira curva e baixa, com um assento que geralmente feito de pele de animal, e é encontrada em vários países da América Latina. Ela empresta elementos de cadeiras pré-colombianas tanto quanto das cadeiras dobráveis, em formato de xis, trazida por colonizadores espanhóis. Porset via nessa imbricação o reflexo da cultura mexicana.

A exposição desfila nomes brasileiros já aclamados —além de Niemeyer e Bo Bardi, estão lá Geraldo de Barros, Paulo Mendes da Rocha, Sergio Rodrigues, Roberto Burle Marx. A seleção de cadeiras e poltronas é um dos pontos altos da mostra. A icônica “Namoradeira” de Zanine Caldas, por exemplo, traduz o design francês do século 19 para o Brasil do século 20, com uma base arredondada feita com técnicas de construção de canoas.

É uma mostra que revisita sobretudo os cânones, mas que também tangencia o tensionamento da vez no mercado de arte —o da revisão de uma história oficial. Uma tapeçaria de Madalena Santos Reinbolt, que teve seu trabalho revisitado em uma mostra importante no Masp em 2022, narra suas memórias de infância na Bahia.

Ela trabalhou como cozinheira na casa da arquiteta brasileira Lota de Macedo e da escritora americana Elizabeth Bishop e, nesse período, criou várias de suas obras. “Madalena estava no coração dessa modernidade”, afirma a curadora.

A produção de móveis no Brasil foi impulsionada especialmente pela arquitetura —é de 1939 o pavilhão brasileiro projetado por Oscar Niemeyer e Lúcio Costa para a Feira Mundial de Nova York, que se tornou um marco do traço modernista brasileiro. Há nesse momento uma necessidade de ter móveis condizentes com essa modernidade, explica Livia Debbane, organizadora do livro “Boa Forma Gute Form: Design no Brasil 1947-68” e uma das consultoras do comitê da exposição do MoMA. Brasília, expressão máxima dessa ambição arquitetônica, foi mais um impulso nesse cenário.

Mas havia, sobretudo, um entusiasmo no ar. “Era um momento excitante para os brasileiros. Os anos 50, na música, no teatro etc, foram anos de ouro. Existia um projeto comum no país”, explica. “E esse design não era só feito por designers: era feito por arquitetos, artistas. As profissões ainda estavam se desenhando.”

Essa agitação é a tônica dos países apresentados na mostra, que buscavam um senso de identidade nacional nesses objetos. Segundo Mallet, a modernidade latino-americana sempre esteve atravessada por tensões.

No Chile do governo de Salvador Allende, um novo design emergiu para construir também a cara de uma sociedade socialista. Gui Bonsiepe liderou uma equipe que desenvolveu objetos para o dia a dia desta nova nação, como cadeiras escolares coloridas cujas réplicas estão no museu. A utopia só durou três anos e foi interrompida abruptamente por um golpe de estado.

No arco de quatro décadas em que se tentou construir nações entre o passado e o futuro, a América Latina também teve seus planos sequestrados por projetos autoritários. Existe design em tudo, dizia Clara Porset. E, na América Latina, esse tudo comporta em si também as tensões inconciliáveis.

CAROLINA MORAES / Folhapress

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