PORTO ALEGRE, RS (FOLHAPRESS) – Jorge Adir Barcelos dos Santos, 59, recorria a um barraco improvisado junto à rodovia Freeway (BR-290) para se proteger da chuva e do frio na manhã desta segunda-feira (27) na zona norte de Porto Alegre. “Faz 23 dias que estamos aqui”, afirma.
Ele vive na região dos bairros Farrapos e Humaitá, às margens da estrada. Trata-se de uma área que segue inundada quase um mês após o início da enchente de proporções históricas na capital gaúcha. A água tomou conta da casa de Santos e do caminhão que ele usava para fazer fretes.
“Vou precisar de ajuda para pôr de pé esse caminhão de novo, ganhar meu dinheiro do dia a dia e sobreviver. Sem meu meio de trabalho, vai ser muito difícil”, diz.
A situação dos bairros Farrapos e Humaitá contrasta com o quadro de outras regiões que também foram atingidas pela enchente em Porto Alegre.
Em áreas mais centrais da cidade, como Centro Histórico, Menino Deus e Praia de Belas, a água baixou e é possível observar pessoas limpando prédios e lojas, embora ainda existam alagamentos em vias mais próximas do lago Guaíba. Também há barro e entulho espalhados por calçadas.
Já nas comunidades dos bairros Farrapos e Humaitá, que ficam ao lado da Arena do Grêmio, a enchente continua cobrindo grande parte das moradias e dos pequenos comércios. Carros permanecem embaixo dágua.
Com a demora para a melhora do quadro, moradores da região protestaram na manhã desta segunda. Eles chegaram a trancar o trânsito na Freeway, em uma tentativa de pressionar a prefeitura por ações que aliviem o drama local.
A reportagem questionou o Dmae (Departamento Municipal de Água e Esgotos) sobre os alagamentos, mas não obteve retorno até a publicação deste texto.
As inundações também continuam em outros bairros da zona norte de Porto Alegre, como o Sarandi. O pesquisador Rodrigo Paiva, do IPH (Instituto de Pesquisas Hidráulicas) da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), diz que a enchente mais persistente na região pode estar associada a uma combinação de fatores.
Segundo ele, áreas mais baixas tendem a permanecer mais tempo inundadas, e alguns pontos da cidade podem apresentar mais dificuldade para expulsar a água de volta para o Guaíba, incluindo os bairros da zona norte.
Esse quadro, ele diz, foi agravado pela volta da chuva na semana passada. “A chuva foi muito forte e piorou a situação de regiões mais baixas e que estavam com a drenagem já comprometida. Elas receberam muita lama com a inundação”, afirma Paiva.
De acordo com o pesquisador, a expectativa para os próximos dias é de que o nível do Guaíba siga baixando de forma lenta. O grande volume de água que chega ao lago a partir do rio Jacuí tende a dificultar uma redução mais acelerada, afirma Paiva.
André Salata, coordenador do laboratório de estudos PUCRS Data Social, diz que a enchente atual chama atenção por afetar bairros de diferentes perfis na capital gaúcha. Afirma, contudo, que historicamente e não só em Porto Alegre as famílias com renda menor ficam mais expostas a tragédias ambientais por morarem em áreas com infraestrutura urbana mais simples ou pior.
É o caso, segundo ele, de bairros como Farrapos e Humaitá. A região abriga, por exemplo, famílias que tiram o sustento a partir de atividades desenvolvidas em dias de jogos na Arena do Grêmio, como estacionamento de carros e venda de bebidas e lanches. O estádio do clube gaúcho também ficou inundado.
“A comunidade no entorno da Arena do Grêmio é de renda mais baixa, com condições de moradia muito precárias, e acaba exposta a enchentes”, diz Salata, citando um estudo recente do Observatório das Metrópoles. A publicação em questão identificou que áreas mais pobres foram as mais atingidas pela calamidade climática no Rio Grande do Sul.
Em bairros que já iniciaram a volta para casa ou para o trabalho na capital gaúcha, o cenário ainda está longe do habitual. No Centro Histórico, o tradicional vaivém de consumidores dava lugar à circulação de equipes e máquinas que atuavam na limpeza da cidade na manhã desta segunda.
Depois de quase um mês, o funcionário público Marcelo Mesko, 55, conseguiu voltar para seu apartamento na manhã desta segunda. Ele havia deixado o local porque a cheia inundou o prédio no Centro Histórico.
A enchente de proporções incomuns alcançou o nível da fechadura da porta de entrada do edifício, estragou um elevador e espalhou sujeira na calçada e no pátio, ele conta.
“Fiquei 26 dias fora, na casa da minha mãe. Antes, quando chovia, a rua até alagava, mas dava umas três horas e a água voltava para o Guaíba”, afirma Mesko.
Também no Centro Histórico, o empresário Raphael Garcia de Oliveira, 30, aproveitava a manhã para limpar seu restaurante, atingido pela água. Em um trecho da rua em frente ao estabelecimento ainda havia água acumulada.
“A gente está estimando um prejuízo, só de materiais e para a reconstrução, de R$ 150 mil, fora a mercadoria perdida e os dias sem trabalhar”, lamenta Oliveira.
Ele planeja reabrir o restaurante em 30 dias, mas diz que o setor precisará de apoio para superar a crise. Entre as medidas que precisam chegar imediatamente aos donos de negócios, afirma, está a concessão de crédito com taxas menores de juro.
“A gente vendia 200 almoços em um dia. Como vai ser agora, vamos vender cem? Estou estimando, no mínimo, um ano para faturar o que a gente estava faturando antes.”
LEONARDO VIECELI / Folhapress