SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – No último ano, o Brasil teve dois meses a mais de calor extremo, que não teriam ocorrido sem as mudanças climáticas. De 15 de maio de 2023 a 15 de maio de 2024, o país registrou, em média, 65,9 dias adicionais de altas temperaturas devido ao aquecimento global provocado pelas atividades humanas. Na média mundial, o índice foi de 26 dias.
Os dados são de um relatório elaborado pelas organizações WWA (World Weather Attribution), Climate Central e Centro Climático da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho, divulgado nesta terça-feira (28).
O levantamento se baseia em técnicas de atribuição climática, ciência que busca determinar a influência do aquecimento global em eventos climáticos extremos.
A partir de critérios como a duração de eventos com temperaturas muito altas, mortes por calor e perturbações em setores econômicos, o estudo identificou 76 ondas de calor extremo em 90 países diferentes no último ano.
Nesse período, 6,3 bilhões de pessoas (cerca de 78% da população global) viveram pelo menos 31 dias de calor extremo definidos como aqueles mais quentes do que 90% das temperaturas observadas na região durante o período de 1991 a 2020. No Brasil, 81,8 dias atingiram esse patamar de maio de 2023 a maio de 2024 em um cenário sem a influência da mudança climática, seriam 17,8 dias.
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O ano de 2023 foi o mais quente registrado na história, com diferentes recordes sendo superados, como o da temperatura dos oceanos e o de degelo marinho.
Todos os últimos 12 meses quebraram o recorde de calor para aquele respectivo mês. As altas temperaturas se reverteram em diversos eventos climáticos históricos, como os incêndios florestais no Canadá, as inundações na Líbia, a seca na amazônia, e, mais recentemente, as enchentes devastadoras no Rio Grande do Sul.
“A queima contínua de carvão, petróleo e gás liberou gases de efeito estufa suficientes para aquecer o planeta em 1,2°C desde os tempos pré-industriais. Ano após ano, as alterações climáticas induzidas pelo homem manifestam-se através de eventos climáticos extremos mais intensos e frequentes, sendo as ondas de calor as mais dramaticamente afetadas”, aponta o relatório.
O documento afirma que estudos já apontaram que todas as ondas de calor que estão acontecendo atualmente se tornaram mais prováveis, mais intensas e mais duradouras devido ao uso dos combustíveis fósseis.
“Embora inundações e ciclones deem mais manchetes, o calor é indiscutivelmente o evento extremo mais mortal, com milhares de mortes relacionadas com o calor extremo registradas todos os anos e muitas mais que não são relatadas”, diz.
Os cinco países onde as pessoas foram expostas a mais dias com calor extremo no último ano foram Suriname (182 dias), Equador (180 dias), Guiana (174 dias), El Salvador (163 dias) e Panamá (149 dias).
Sem as mudanças climáticas causadas pelo homem, um cidadão do Suriname teria vivido 24 dias assim no período. Esse número seria de 10 dias para o Equador, 33 dias para Guiana, 15 dias para El Salvador e 12 dias para o Panamá.
Os cientistas também mediram o peso das mudanças climáticas em cada uma das 76 ondas de calor analisadas.
A maior influência foi detectada no evento que atingiu as Ilhas Marshall de 7 a 12 de março deste ano, que se tornou 35 vezes mais provável com o aquecimento global. Na América do Sul, a crise climática tornou sete vezes mais provável a onda de calor que cobriu Brasil, Argentina, Paraguai e Bolívia de 8 a 13 de novembro de 2023.
Os pesquisadores ressaltam que a falta de dados relacionados aos efeitos e a ausência de uma sistematização oficial para caracterizar ondas de calor tornam mais difícil quantificar os impactos desses fenômenos.
“Para a maioria dos eventos que ocorreram fora da Europa e da América do Norte, não temos informações sobre quantas pessoas foram realmente afetadas e de que forma. No entanto, está cada vez mais claro que, quando temos informações sobre os impactos, eles são graves e afetam principalmente as pessoas mais vulneráveis”, afirma o texto.
O calor extremo tem consequências multifacetadas, da saúde à infraestrutura, destaca o relatório.
“Em muitos casos, a extensão total do impacto [do calor extremo] na saúde humana nunca é realmente conhecida porque as mortes relacionadas ao calor são frequentemente atribuídas a outras causas como insuficiência renal ou parada cardíaca”, diz o estudo, acrescentando que isso também coloca um peso adicional sobre os serviços de saúde.
O calor extremo aumenta, ainda, o risco de incêndios florestais, a poluição do ar e a perda de biodiversidade, além de impactar a qualidade e a demanda por recursos hídricos. A reação em cadeia pode causar prejuízos em diferentes setores da sociedade.
“As temperaturas extremas e o estresse hídrico afetam negativamente a agricultura, causando danos às colheitas, redução de rendimentos e maior insegurança alimentar”, aponta o relatório.
“Os impactos agrícolas então se propagam pela economia, reduzindo a produção de alimentos, afetando os meios de subsistência e interrompendo as atividades industriais. A água também é um componente crítico da produção de energia.”
JÉSSICA MAES / Folhapress