Município é condenado a indenizar mãe de jovem morta após erro médico; casos aumentaram 57% em 4 anos

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em 2019, Jessica Casarini estava prestes a completar 28 anos quando sentiu uma forte dor de cabeça. Em atendimento médico em uma UPA (Unidade de Pronto Atendimento) de Piracicaba, cidade no interior de São Paulo, recebeu diferentes causas para a dor de cada médico que a atendeu: dengue, anemia, virose. Os sintomas não passaram com a medicação, e a jovem morreu sem saber que tinha febre maculosa.

Sua mãe, Eliete Casarini, acionou a Justiça no ano seguinte. Em dezembro de 2023, o juiz responsável pelo caso entendeu que houve erro médico e condenou o município de Piracicaba a pagar uma indenização de R$ 150 mil à autora da ação.

Em nota, a Prefeitura de Piracicaba disse que recorreu da decisão. O caso ainda não foi enviado à 2ª instância, mas, segundo o município, isso deve ocorrer em breve.

O caso de Casarini não é único. Dados do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) mostram que a quantidade de novos processos por erro médico no Brasil atingiu 43.929 no ano passado, um salto de 57% em relação a 2020, quando foi protocolado o caso da jovem.

As ações com esse tópico se multiplicaram desde 2020. Foram computados 27.951 novos casos naqueles 12 meses, conforme números do Datajud (Base Nacional de Dados do Poder Judiciário). Nos dois anos seguintes, foram 31.155 e 38.550, respectivamente.

Erro médico era uma rubrica usada para classificar processos de conduta inadequada no exercício médico que resultaram em um evento danoso, por ação ou omissão. A terminologia foi descontinuada a pedido de uma entidade de classe.

De acordo com o CBC (Colégio Brasileiro de Cirurgiões), que levou o pleito ao CNJ, o nome revela uma “presunção de preconceito e parcialidade contra a classe médica”. Agora, fala-se em danos decorrentes da prestação de serviços de saúde.

Para a advogada Joelma Bortoletto, que representou a mãe no caso de Casarini, o erro médico está caracterizado. “Nem sequer fizeram um exame minucioso, sendo que a vítima relatou frequentar a beira do rio em uma “cidade lotada de capivaras”.

A febre maculosa é uma doença bacteriana transmitida por picada de carrapato, parasita que pode ficar hospedado em capivaras. A doença é endêmica da região de Piracicaba.

Julio Croda, médico infectologista da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) e professor da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), conta que a febre maculosa é uma doença rara que compartilha sintomas com outras enfermidades. O tratamento deve começar quando houver suspeita, e o diferencial é a exposição a áreas de risco.

No caso da jovem, ela só foi diagnosticada após ser levada a um hospital da Santa Casa de Misericórdia, onde teve coleta de sangue. A paciente não resistiu aos sintomas e morreu antes do resultado do exame: positivo para a doença e negativo para dengue.

Voltando à nomenclatura, apesar de já apresentar um novo título para o registro dos novos processos, ainda é possível encontrar a terminologia “erro médico” no painel do CNJ porque os tribunais ainda têm tempo para se adaptar à mudança.

O vice-corregedor do CFM (Conselho Federal de Medicina), Alexandre de Menezes, diz que o termo erro médico pressupõe uma culpa ligada apenas ao profissional da medicina.

“Mas a complicação pode ou não decorrer do erro do médico. Pode estar vinculada à evolução de uma doença em paralelo, algo não necessariamente relacionado à atividade médica. O erro do médico pode ocorrer, mas ele tem de ser apurado primeiro”, explica Menezes.

Fernando Aith, professor da Faculdade de Saúde Pública da USP (Universidade de São Paulo), afirma que falta uma atuação mais consistente do CFM, o responsável pela fiscalização da prática médica. Para ele, “se o conselho funcionasse melhor, a judicialização [ações na Justiça referentes à saúde] seria menor”.

Do outro lado, o representante do CFM diz que o montante crescente de novos processos sobre erro médico não corresponde a mais ocorrências, mas reflete as políticas de esclarecimento promovidas pela entidade e a abertura de canais de denúncia.

“A família sempre denunciou o caso grave: do paciente que morre após uma cesárea, uma cirurgia de quadril. Isso não muda, é estatístico. As denúncias de procedimentos menores que se avolumaram, porque o esclarecimento da população aumentou”, afirma.

ARTHUR GUIMARÃES / Folhapress

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