PORTO ALEGRE, RS (FOLHAPRESS) – Casas destruídas ou arrancadas, carros virados, lama, animais mortos e até invasão de areia. Esse é o cenário que começa a aparecer com a redução do nível da enchente na região das ilhas de Porto Alegre, que fica próxima ao município de Eldorado do Sul, também devastado pelas inundações deste mês.
“Perdi tudo”, lamenta o gari Marcos Reni Azevedo da Silva, 53, ao falar sobre o impacto da catástrofe climática. “A água veio suja, contaminada. Estamos tentando salvar a geladeira, mas do resto de casa a gente tem de correr atrás de novo”, diz ele, com os olhos marejados.
Silva vive na ilha da Pintada, que compõe o bairro Arquipélago, pertencente à capital gaúcha. A região foi inundada pela cheia do rio Jacuí e do lago Guaíba, que se conectam.
Na manhã desta quarta-feira (29), famílias se deslocavam em caminhonetes para a ilha da Pintada por meio de uma rua de Eldorado do Sul que dá acesso ao local. Carros de passeio, porém, ainda enfrentavam dificuldades porque um alagamento se formou com o vento em um trecho da via.
O músico Leandro Ferreira, 55, pretendia ir até a ilha para buscar algumas roupas de inverno que ficaram intactas na casa da sogra. As peças resistiram à enchente porque estavam em um espaço mais alto quando a inundação alcançou o endereço neste mês.
“A casa ficou virada em um nada”, define.
Ferreira foi criado na ilha da Pintada e vive atualmente no município de Mariana Pimentel (a 80 km de Porto Alegre). Ele relata que, além da sogra, dois irmãos e seu filho também tiveram as residências afetadas pela enchente na ilha da Pintada.
“O cenário é de destruição total. Tem muitos animais mortos, banco de areia de quase dois metros de altura dentro do que a gente chama de vilinha da ilha. Muita tristeza”, afirma o motorista Gabriel Kurowsky, 55. Ele trabalha na região da ilha da Pintada.
Um dos locais atingidos pela areia foi a colônia de pescadores Z-5, que fica na mesma comunidade. “Já chegou areia em outras enchentes, mas não nesse nível”, diz o presidente da associação, Gilmar Coelho, 52.
Ele também teve a casa inundada. “A água deu na janela”, conta.
Apesar dos estragos, Coelho não planeja deixar a ilha da Pintada, onde mora desde criança. Segundo ele, a colônia está buscando medidas de auxílio para os pescadores locais, incluindo doações de alimentos.
“Não pretendo sair. O morador daqui volta, não vai embora.”
A região das ilhas de Porto Alegre fica localizada no delta do rio Jacuí e, historicamente, costuma ser afetada por enchentes.
A questão é que a cheia atual foi mais intensa, aponta o professor Rodrigo Paiva, do IPH (Instituto de Pesquisas Hidráulicas) da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).
“O nível foi muito superior e, então, cobriu uma parte muito grande das ilhas”, afirma.
Conforme o especialista, a invasão de areia que chamou atenção na ilha da Pintada é resultado da produção de sedimentos devido a um processo de erosão.
Esses sedimentos são carregados pela água ao longo do curso dos rios, algo que costuma ocorrer em diferentes cheias.
O ponto é que, como a enchente atual foi maior, o volume de areia movimentado também aumentou, indica Paiva. As ilhas funcionaram como uma espécie de depósito.
“Esses processos acontecem sempre, nas cheias menores também. Agora, quando temos um evento [enchente] maior, todas as proporções são maiores”, ressalta o professor.
Outro reflexo da enchente é visto ao longo da BR-116, que conecta Porto Alegre a Eldorado do Sul. No trecho da rodovia que passa pela região das ilhas, diversas famílias estão acampadas em barracas.
O improviso é o que restou para quem ainda está afastado de casa, quase um mês após o início da crise na capital gaúcha.
O pescador Vitor Vieira de Freitas, 50, faz parte da população que recorreu a barracas para se proteger da chuva e do frio nas últimas semanas -a temperatura estava próxima de 12ºC na manhã desta quarta.
A enchente chegou quase ao telhado de sua casa neste mês. Com a baixa do nível de água na região de Eldorado do Sul que dá acesso à ilha da Pintada, ele e a esposa tentavam organizar a residência nesta quarta. Freitas conseguia acessar o endereço com a água cobrindo suas pernas na rua.
“Estou jogando as coisas fora. Se restar algo dentro de casa, vai ser o fogão ou um sofá”, afirma.
“Se tiver alguém que puder ajudar com móvel ou alguma coisa assim, a gente aceita e agradece. Mas agora é hora de limpar e jogar as coisas que molharam para a rua. Não tem mais o que fazer. É levantar a cabeça e ir à luta de novo”, completa o pescador, que usava um boné com a palavra “fé”.
LEONARDO VIECELI / Folhapress