No maior bairro de Canoas (RS), moradores limpam casas e calculam prejuízos

CANOAS, RS (FOLHAPRESS) – Com a diminuição do nível do rio dos Sinos, em Canoas (RS), grande parte do bairro Mathias Velho já está seca e, em frente às casas, onde antes havia muita água, agora há pilhas de móveis, colchões, brinquedos, livros e outros objetos.

Em um supermercado, o cheiro forte de carne estragada sendo retirada de caminhão é sentido a metros de distância. Guinchos recolhem carros danificados pelas águas. Entre os cerca de 50 mil habitantes que vivem no maior bairro de Canoas, o sentimento é de tristeza com a tragédia, mas também de determinação para reconstruírem suas vidas.

“Temos familiares no interior querendo nos levar para lá, mas a nossa ideia é ficar aqui, tentar reconstruir. É um bairro muito populoso, tinha uma boa infraestrutura, tinha tudo que a gente precisava aqui”, disse o empresário Sandro Duarte.

Proprietário de um pet shop, onde perdeu quase tudo, ele agora distribui currículo para empresas da região em busca de emprego, situação de outras milhares de pessoas.

“Tem que engolir o choro e olhar para a frente porque, além da tristeza, a gente não sabe qual a perspectiva dos próximos dias. Quando abri meu comércio eu estava no zero, agora estou no negativo.”

A avó de Sandro chegou ao Mathias Velho há décadas e hoje a numerosa família da matriarca tem 16 casas no bairro. No terreno em que Sandro tem o pet shop e vive com a esposa e duas filhas, moram ainda seus pais, sua irmã e a sobrinha, a pequena Heloísa, que usava mini luvas e botas. “Não encosta em nada”, orientou o avô, Sérgio, na última quarta-feira (29), enquanto a família se mobilizava na limpeza dos imóveis tomados pelo barro.

A Prefeitura de Canoas começou na terça (28) a limpeza nos bairros Mathias Velho e Centro. Antes, esse trabalho já havia sido iniciado nos bairros São Luís, Mato Grande e Fátima.

A movimentação era grande na casa de Adriana Gabriella da Silva, empresária e consultora financeira. Colegas de uma empresa para a qual ela presta consultoria se deslocaram de Porto Alegre para ajudar na limpeza. Também se somaram parentes e vizinhos. “A gente fez um mutirão porque não dá conta de limpar sozinho”, disse.

Amigos entravam na casa e saíam com peças de madeira, que jogavam em uma enorme pilha na calçada.

“Os móveis planejados estavam grudados na parede, a gente precisa de muita força para tirar”, disse Adriana. Para a empresária, os bens perdidos não são meros objetos. “Não são só bens materiais, é toda a história da tua família. Eu perdi minha irmã há alguns anos, ela conviveu comigo dentro desta casa. Esses móveis me trazem lembranças de uma família reunida, numa mesa que foi destruída, num sofá que foi destruído.”

Um dos vizinhos que ajudava no mutirão era o motorista Luciano Chaves Macedo. Morador de uma casa de um piso, conta que só salvou geladeira, máquina de lavar e fogão porque colocou esses eletrodomésticos no segundo andar da casa de uma vizinha. “Muito triste, nossa casa está puro lixo. Entrou um turbilhão para dentro de casa, ficou tudo revirado.”

Mesmo com essa situação, Luciano e a esposa, Cristiane Denicoll, já voltaram a dormir em casa, deitados no chão –o antigo colchão do casal agora está na calçada, esperando o caminhão do lixo. Além do temor de possíveis saques, pesou o constrangimento de estar na casa da filha de Cristiane por tanto tempo, com cinco gatos e um cachorro. “A gente fica tirando a privacidade dos outros”, disse Luciano.

Demitido em plena tragédia climática, o motorista afirmou que tem contado com a distribuição de cestas básicas para sobreviver e que não vai deixar o bairro, onde mora desde que nasceu. “Vou ficar, não temos para onde ir.”

Em uma região em que tantos precisarão reconstruir suas casas e o que havia nelas, centenas de móveis foram perdidos por Alessandra Anderle, proprietária de uma loja no Mathias Velho desde 2005. Ela não sabe precisar quantos móveis foram perdidos. “Eu tinha arrumado tudo para o Dia das Mães, mandei vir mercadorias novas, coisas diferentes de cozinha, armários diferentes. Perdi tudo da loja e do depósito”, lamenta.

Alessandra diz que vendia móveis “do barato ao caro”, mas pretende recomeçar de forma diferente. “Só vou vender coisas mais em conta, mais baratas, porque o povo está todo sem dinheiro, não adianta eu botar móveis caros.”

Com ajuda da filha, do genro e de um amigo, ela limpava a loja mantendo o bom humor.

“Eu já entrei aqui na loja para dar jeito na vida. Chorei tudo o que tinha para chorar na casa do tio do meu marido, onde ficamos durante a enchente, e agora é bola pra frente. No dia do meu aniversário eu nasci de novo, quando fui resgatada de barco pelos bombeiros. Agora vamos começar de novo, não temos outra coisa para fazer.”

FELIPE PRESTES / Folhapress

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